No começo, cantava bolerões e samba-canção |
Pouco depois, o Seu Salim teve uma breve
passagem pelo Rio de Janeiro, residindo na Penha. Foi quando Wanderléa cantou
mais uma música lhe ensinada ela mãe – Casa de Caboclo - e valeu-lhe convite
para cantar na festa junina da escola. Depois, seu pai mudou de emprego de bairro, para Cordovil, e voltou a Minas
Gerais, para trabalhar como transportador de frutas importadas – depois, comprou
um frigorífico, em Lavras.
Com Odette cuidando da casa e das crianças,
por ali nasceu a veia musical de Wanderléa, ouvindo a mãe cantar os sucessos do
rádio. Aos três de idade, ela subia em caixotes de uvas e soltava a voz. Quando
ouvia crianças cantando no programa “Os Curumins”, da Rádio Tamoio,
empolgava-se e prometia ser, “quando crescer”, uma cantora. Da varanda de sua
casa, a Leinha fazia toda a rua conhecer a sua voz, principalmente cantando
“Estrada do bosque”, versão de canção italiana do repertório de Francisco
Alves.
Mas não precisou crescer tanto para Wanderléa
ser o que sonhava. Um dia, uma moradora de sua rua, a Dona Nhaná, promoveu uma
festa beneficente na casa dela e, entre os “artistas” convidados, estava a
Leinha, que agradou tanto ao ponto de receber um novo convite, para cantar em
programa infantil da Rádio Difusora, de Lavras.
Leinha não se
assustou com o auditório lotado. Subiu em uma cadeirinha, para ficar perto do
microfone, e mandou “Caminhemos”, um outro sucesso do Chico Alves, lhe ensinado
pela mãe. Depois, vieram convites para se apresentar em programações
religiosas, fazendo-lhe ver, aos quatro de idade, que tinha tudo para ser uma
estrela da música popular brasileira.
Quando Wanderléa tinha seis de idade, Seu
Salim teve uma briga com um irmão – muitos familiares viviam em Lavras.
Indignado com o comportamento do sujeito, colocou a família em um trem de ferro
e foi para a carioca Vila Isabel. Mas terminou indo morar na Ilha do
Governador, onde arrumou emprego, como tratorista de terraplanagens.
O Rio de Janeiro era o que de melhor poderia
aparecer na vida de uma menina que sonhava ser cantora. Ao tornar-se amiga de
rua, de Neucir Cruz, que cantava no programa “Ciranda Mirim” – dirigido por
Odilon de Alencar, chefe do Departamento infanto-juvenil da Rádio Mayrink Veiga
- aquela a incentivou a procurar o “Vovô Odilon”, que a ouviu a aprovou.
Wanderléa estava com nove de idade e, até
então, o seu repertório destacava clássicos castelhanos, como “Granada” – de
Agustín Lara, boleros hispânicos,
lhe ensinados pela Dona Ester, amiga de rua, e tinha o timbre vocal das velhas
cantoras da chamada “Era do Rádio”. Anunciada, pelo “Vovô Odilon”, por
Wanderléa Salim – como fora registrada -, cantava acompanhada pelo pianista
Pedro Bevilacqua.
A “Ciranda Mirim” foi trampolim para Wanderléa
ter a sua primeira chance de cantar na TV. Odilon Aires levou-a para fazer
teste com Samuel Rosenberg, que apresentava “Clube do Guri”, na rádio e TV
Tupi-RJ. Aprovada e selecionada entre outras candidatas, ela foi representar o
Rio de Janeiro no programa ‘Clube do Papai Noel”, da Tupi-SP, apresentado por
Hermano Silva, daquela vez, em 1957, com a participação de gente de
todo o país.
Seu Salim até permitia, mas não gostava aquela história de ter a filha
cantando no rádio e na TV. Preferia vê-la se destacando nos estudos. Wanderléa,
no entanto, insistia. Depois de aprovada por Homero Silva, passou a cantar nos suburbanos
shows do Fã-Clube Mirim, de Brás de Pina,
comandados por Valdomiro Ferreira Júnior, e acompanhada pelos acordeonistas
Gélson e Gilson, que tornou-se o famoso tecladista e arranjador Gilson Peranzzeta.
Quando o dourado 1958 chegou e o esporte
brasileiro brilhou, no Fã-Clube Mirim de Brás de Pina, quem ganhava o título
era Wanderléa: “Rainha da Voz”. Próximo
passo? Cantar no programa “A mais bela voz infantil”, da TV Rio. Participou de
eliminatórias, chegou à última, cantou o bolerão “Sabrá Dios”, sucesso de Lucho
Gatica, composto por Alvaro Carrillo.
Pose diferente, incomum, para capa de disco da época |
Wanderléa ganhou mais uma parada. De quebra,
um contrato para ser colega de Cauby Peixoto e de Sílvio Caldas, na gravadora
CBS-Columbia Broadcasting System. Era demais para Seu Salim. Pra ela, o
“demais” seria gravar músicas infantis. Preferia os bolerões e sambas-canções
que estava acostumada. Chegou a ser encaminhada pelo selo para programas da
principal emissora do país, a Rádio Nacional, onde seria divulgada como a sua
nova contatada. Viu, de perto e pediu autógrafo aos astros e estrelas Ângela
Maria, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, etc e até cantou “Cochito”, de
Consuelo
Velasquez, na versão em português e em dupla com a mais + mais do rádio
brasileiro, Emilinha Borba.
Melhor estrada do que
aquela não poderia haver para quem sonhava com a caminhada artística. Só que,
pela frente, havia uma cancela chamada mudar o nome de Wanderléa para um
sonoridade mais adequada aos ouvidos dos futuros fãs. Seu Salim achou aquilo um
desaforo, foi à CBS dizer que ninguém mudaria o nome de sua filha e a proibiu
de cantar, deixando o contrato que ela havia ganho hibernando na gravadora.
O tempo passava e a Linha ficava um mulherão,
de corpo escultural. Terminou o primário, em Cordovil, e foi fazer o ginasial,
em Brás de Pina. Lá pelas tantas, pintou chance de dançar uma quadrilha junina,
pelo Olaria Atlético Clube, contra o Social Ramos Clube, o dono da quadra. Por
usar sapatos “maria mole”, na moda e de solas lias, começou a deslizar na
quadra descoberta, quando começou a chover. Então, passou a enrolar, fazendo-se
de matuta que escorregava por não saber dançar. Terminou com a irreverência
agradando muito aos jurados, entre eles o compositor Lamartine Babo, e levou o
Olaria à vitória, com todos acreditando que as suas escorregadas faziam parte
da coreografia.
Por ter agradado na
quadrilha, o social do clube, jornalista
Walter Rizzo, a convidou para participar da festas das debutantes - que ela não
tivera - em outubro. Depois do baile, Rizzo a convidou para novo desafio:
participar do Miss Koleston Olaria, patrocinado
por uma marca de tintura de cabelos. E, já que o bravo Seu Salim
permitiu, no 1º de abril de l961 ela foi a eleita.
Durante a
eliminatória do Miss Koleston em Bangu, o show musical era por conta da
orquestra Jaime e Sua Música. Quando o “crooner” Luiz Carlos (futuro Luiz
Keller) deu uma descansadinha e a moçada mandou ver uns sambinhas, Wanderléa
subiu ao palco, com a faixa de Miss Koleston Olaria no peito e ficou olhando
para o apelidado Jaime “Barba de Milho”. Este apontou para o microfone e ela
atacou “O amor e a rosa”, sucesso de Elizeth Cardoso, composto por Antônio
Maria e Pernambuco. Agradou, a moçada pediu mais, Jaime autorizou e ela cantou
“Mulata assanhada”, de Ataulfo Alves e então grande sucesso de Elza
Soares.
Presença obrigatória em capa de revistas |
Pelo final de 1961,
Wanderléa foi assistir, em Cordovil, ao show da caravana do radialista Luís de
Carvalho, da Rádio Globo. Gostou do jeito de cantar de um rapaz, lembrando João
Gilberto, e foi falar com ele, ao final das apresentações. O cara chamava-se
Roberto Carlos.
Com dois meses de crooner de orquestra, Wanderléa foi, com o seu grupo, ao programa
de Paulo Gracindo, na Rádio Nacional. Por lá, topou com o diretor artístico da
Colúmbia, o trombonista Astor que, com a sua moçada tocara antes dela. O homem aprovou
a sua interpretação e a convidou para juntar-se a ele, comandante de orquestra
renomada. Topou, dividiu os vocais com Jorge Silva e aprendeu a cantar, também,
jazz.
Astor gostou do que ouvia e a convocou Wanderléa
gravar duas faixas de um LP que a sua orquestra fazia na CBS. As faixas foram
engavetadas, mas o contrato da época em que ela tinha 10 de idade foi
desengavetado. Com aquilo, o jeito foi abrir o jogo escondido de Seu Salim, que
não teve mais jeito de segurar a voz da filha.
Em janeiro de 1962, a
CBS armou a gravação do primeiro disco de Wanderléa, um 78 rotações. Impôs-lhe
duas canções, a moderninha ”Meu Anjo da Guarda”, do cantor/compositor da casa
Rossini Pinto - – já gravada por Cleide Alves, com Renato e Seus Blue Caps - e
o blues “Tell me how long”. Ela não
gostou. Queria cantar o que cantava com a orquestra de Astor, que a acompanhou
nas duas gravações.Não havia álbum de fã da música da década-1960 que não tivesse a sua foto |
Mais uma vez, ela não gostou do que gravou.
Reclamou e passou vários meses na geladeira. Mas a gravadora já pensava em
fazer dela a ocupante do lugar deixado vago por Cely Campello, a rainha da
música jovem brasileira, que trocara o sucesso pelo casamento. Também, tê-la,
juntamente com Roberto Carlos, um par de
cantores jovens muito bem divulgados. Mas eles é que teriam de sair pelas rádios divulgando os seus discos. E
no que essa história foi dar todos conhecem. Confere?
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