Quando cobri a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, batia muito papos
com o roupeiro Ximbica, enquanto ele tirava o barro das chuteiras dos craques,
após os treinos, na Villa Marista, em Mar del Plata. Sempre depois das
entrevistas de jogadores e comissão técnica, enquanto esperávamos pelo ônibus
que ia nos deixar no centro de imprensa.
Num daqueles finais de
tarde de muito frio, fiz uma brincadeira, tipo, “Ximbica, tira o chulé da
chuteira, também”. Ele sorriu e respondeu: “Já coloquei o chulé do Pelé numa chuteira, amizade! E não tire sarro com a minha cara!” – depois, me contou
uma história, que eu não acreditei, mesmo, pois jamais lera nada sobre aquilo.
Segundo o Ximbica, dois
meses antes da Copa, o Fluminense excursionara à África e encontrou-se com Pelé
na Nigéria. O “Rei”, que havia parado, em 1974, acompanharia os tricolores só
em programas promocionais. Mas os torcedores nigerianos achavam que ele iria
jogar. E foram para o estádio. Ficaram uma fera quando souberam que não era
nada daquilo “A coisa ficou feia, mas o Pelé tirou tudo, de letra, decidindo
vestir a camisa do Flu e ir a campo acalmar a galera.
O problema, segundo o
Ximbica, era que o Fluminense não tinha nenhuma chuteira que coubesse,
exatamente, no pé do Pelé. ”Como ele calçava 41 e ar chuteira que sobrava
era 43, coloquei jornais molhados e ele topou a improvisação. Até me deu US$
100 dólares de gorjeta, por ter evitado uma guerra entre o Fluminense e a
Nigéria”, brincou e lembru do time que começou a partida: Renato; Edevaldo,
Dário Lourenço, Santiago e Rubem Gálaxie; Marinho Chagas, Zé Roberto
e Arthruzinho; Gildásio, Geraldão, Pelé e Gílson “Gênio”.
No dia 23 de abril de 2005,
quando o Vasco da Gama estava em Brasília, para enfrentar o Brasiliense –
estréia do Jacaré na Série A do Brasileirão – procurei o Dário Lourenço, então
treinador cruzmaltino, para saber de mais detalhes daquele jogo. O cra disse-me
ter ficado sabendo que os nigerianos venderam ingressos anunciando que o Pelé
jogaria e que a polícia ameaçou ir embora se o “Rei’ não rolasse a bola.
Sobre isso, o Antônio Maria
contou-me outro lance da confusão: o Ângelo Chaves – mais tarde, presidente do
clube –, chefe da delegação tricolor, procurou o comando da polícia nigeriana,
pedindo segurança para a partida, alegando que a FIFA não permitia jogos sem
policiais presentes. Ouviu dos caras que, na Nigéria, quem mandava eram eles e
que não enviariam nenhum policial ao estádio, caso o Pelé não
jogasse.”
Em agosto de 2002, o massagista
do Ceub, Raimundo Marreta,visitou-me na redação do Jornal de Brasília,
levando junto o Marinho Chagas, a quem indaguei, também, sobre a mesma
história. Este disse-me ter ficado sabendo que o Pelé entraria em campo
uniformizado de atleta para pousar para uma fotografia com o time carioca,
jogar por uns dez minutos e fazer volta olímpica acenando pra galera.
Curioso por aquela história,
procurei saber, no Itamaraty, se havia algum registro de missão comercial de
Pelé, na Nigéria, em abril de 1978. O porta-voz da casa, o
hoje embaixador Ruy Nogueira contatou o pessoal do departamento de assuntos
africanos e informou-me que constava, nos arquivos, que uma subsidiária da
Petrobras, a Interbras, estava lançando eletrodomésticos, de marca “Tama”, pela
África, e que o tal jogo do Flu fora uma das maneiras de tentar ganhar o
mercado. Falou, també, sobre clima político nigeriano tenso, coisa assim de
guerra civil.
Outro a quem indaguei sobre
o tal jogo foi Rubem Gálaxie, quando defendeu por aqui o Sobradinho-Botafogo,
na década-80. Ele contou ter visto muitos carros incendiados pelas ruas da
capital nigeriana. “Havia o medo de atentados, no dia da partida”, afirmou,
acrescentando que o time do Fluminense fora para o jogo em um carro do governo
nigeriano.
Rubem Gálaxie contou,
ainda. que a turma levou um susto tremendo, quando o ônibus em que eles iam
para o Estádio Nacional passou a levar fechadas e batidas de um carro que
aparecera, de repente. Naquele instante, Dário Lourenço viu os policiais que
davam segurança ao time do Fluminense puxarem as suas metralhadoras para
agirem. Antônio Maria falou sobre isso também. Marinho Chagas se lembrava de um
engarrafamento que houve por aqueles instantes de tensão. “Por ali, a coisa
esfriou, o susto passou e conseguimos chegar ao estádio, mas com um pé na
frente e outro atrás”, comparou o Gálaxie.
Tempão depois, quando o “Rei”
veio a Brasília, junto com o cineasta Aníbal Massaini lançar o filme “Pelé
Eterno”, entreguei ao “Rei” uma fita cassete gravada como seu milésimo
gol, que e me fora presenteada pelo locutor Waldir Amaral, da
Rádio Globo-RJ. Pelé abraçou-me, agradeceu, chorou em um dos meus ombros e eu
aproveitei para perguntar-lhe sobre o dia em que ele havia “tricolado”.
Confirmou-me a história da chuteira do Ximbica e comentou sobre a alegria da
torcida ao vê-lo no gramado, com a camisa do Fluminense. E, sorrindo, brincou:
“Já que você falou que eu tricolei, lhe digo mais: era pra eu ter tricolado, só
por uns dez minutos, mas me empolguei e tricolei por todo o primeiro tempo”.
Certa vez, num desses encontros
de treinadores, estava presente o Paulo Emílio, o técnico do Flu naquele jogo.
Claro que ele se lembrava de tudo. “Naquele dia, o ‘rei das redes’ fui o
Marinho (Chagas), que fez dois gols” – Gilson “Gênio” completou o
serviço.
Cá entre nós: fiz um sacrifício
dando pra levantar esta história toda, mas não perguntei a nenhum dos entrevistados
contra quem fora o jogo, o placar e onde a bola havia rolado. Pra
piorar: não perguntei ao Pelé como ele havia sido resgatado de dentro do
estádio. Informo, 46 temporadas depois: Fluminense 3 x 1 Racca
Rovers, em 26 de abril de 1978, em Lagos, na Nigéria. – nunca é tarde para
informar.
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