Vasco

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segunda-feira, 7 de setembro de 2020

HISTÓRIAS DO KIKE - O DIA EM QUE PELÉ FOI OBRIGADO JOGAR PELO FLUMINENSE

 Quando cobri a Copa do Mundo de 1978, na Argentina, batia muito papos com o roupeiro Ximbica, enquanto ele tirava o barro das chuteiras dos craques, após os treinos, na Villa Marista, em Mar del Plata. Sempre depois das entrevistas de jogadores e comissão técnica, enquanto esperávamos pelo ônibus que ia nos deixar no centro de imprensa.

 Num daqueles finais de tarde de muito frio,  fiz uma brincadeira, tipo, “Ximbica, tira o chulé da chuteira, também”. Ele sorriu e respondeu: “Já coloquei o chulé do Pelé numa chuteira, amizade! E não tire sarro com a minha cara!” –   depois, me contou uma história, que eu não acreditei, mesmo, pois jamais lera nada sobre aquilo.

 Segundo o Ximbica, dois meses antes da Copa, o Fluminense excursionara à África e encontrou-se com Pelé na Nigéria. O “Rei”, que havia parado, em 1974, acompanharia os tricolores só em programas promocionais. Mas os torcedores nigerianos achavam que ele iria jogar. E foram para o estádio. Ficaram uma fera quando souberam que não era nada daquilo “A coisa ficou feia, mas o Pelé tirou tudo, de letra, decidindo vestir a camisa do Flu e ir a campo acalmar a galera.

 O problema, segundo o Ximbica, era que o Fluminense não tinha nenhuma chuteira que coubesse, exatamente, no pé do Pelé.  ”Como ele calçava 41 e ar chuteira que sobrava era 43, coloquei jornais molhados e ele topou a improvisação. Até me deu US$ 100 dólares de gorjeta, por ter evitado uma guerra entre o Fluminense e a Nigéria”, brincou e lembru do time que começou a partida: Renato; Edevaldo, Dário Lourenço, Santiago e Rubem Gálaxie; Marinho Chagas, Zé Roberto e Arthruzinho; Gildásio, Geraldão, Pelé e Gílson “Gênio”. 

https://www.netflu.com.br/o-dia-que-pele-jogou-pelo-fluminense/

E contou mais:  “Como ele me dissera que o repórter Antônio Maria Filho estivera na excursão, quando o encontrei, o indaguei sobre aquela história do Ximbica, que confirmou, com algumas correções: “O Pelé não queria jogar, por não sentir-se em condições físicas. Além do mais, ele acompanhava o Fluminense como garoto-propaganda de produtos brasileiros, e o combinado era ele entrar em campo e saudar a galera. Nada mais”. 

No dia 23 de abril de 2005, quando o Vasco da Gama estava em Brasília, para enfrentar o Brasiliense – estréia do Jacaré na Série A do Brasileirão – procurei o Dário Lourenço, então treinador cruzmaltino, para saber de mais detalhes daquele jogo. O cra disse-me ter ficado sabendo que os nigerianos venderam ingressos anunciando que o Pelé jogaria e que a polícia ameaçou ir embora se o “Rei’ não rolasse a bola.

Sobre isso, o Antônio Maria contou-me outro lance da confusão: o Ângelo Chaves – mais tarde, presidente do clube –, chefe da delegação tricolor, procurou o comando da polícia nigeriana, pedindo segurança para a partida, alegando que a FIFA não permitia jogos sem policiais presentes. Ouviu dos caras que, na Nigéria, quem mandava eram eles e que não enviariam nenhum policial ao estádio, caso o  Pelé não jogasse.”

Em agosto de 2002, o massagista do Ceub, Raimundo Marreta,visitou-me na redação do Jornal de Brasília, levando junto o Marinho Chagas, a quem indaguei, também, sobre a mesma história. Este disse-me ter ficado sabendo que o Pelé entraria em campo uniformizado de atleta para pousar para uma fotografia com o time carioca, jogar por uns dez minutos e fazer volta olímpica acenando pra galera.

 Curioso por aquela história, procurei saber, no Itamaraty, se havia algum registro de missão comercial de Pelé, na Nigéria, em abril de 1978.  O porta-voz da casa,  o hoje embaixador Ruy Nogueira contatou o pessoal do departamento de assuntos africanos e informou-me que constava, nos arquivos, que uma subsidiária da Petrobras, a Interbras, estava lançando eletrodomésticos, de marca “Tama”, pela África, e que o tal jogo do Flu fora uma das maneiras de tentar ganhar o mercado. Falou, també, sobre clima político nigeriano tenso, coisa assim de guerra civil.

 Outro a quem indaguei sobre o tal jogo foi Rubem Gálaxie, quando defendeu por aqui o Sobradinho-Botafogo, na década-80. Ele contou ter visto muitos carros incendiados pelas ruas da capital nigeriana. “Havia o medo de atentados, no dia da partida”, afirmou, acrescentando que o time do Fluminense fora para o jogo em um carro do governo nigeriano.

 Rubem Gálaxie contou, ainda. que a turma levou um susto tremendo, quando o ônibus em que eles iam para o Estádio Nacional passou a levar fechadas e batidas de um carro que aparecera, de repente. Naquele instante, Dário Lourenço viu os policiais que davam segurança ao time do Fluminense puxarem as suas metralhadoras para agirem. Antônio Maria falou sobre isso também. Marinho Chagas se lembrava de um engarrafamento que houve por aqueles instantes de tensão. “Por ali, a coisa esfriou, o susto passou e conseguimos chegar ao estádio, mas com um pé na frente e outro atrás”, comparou o Gálaxie.

https://www.fluminense.com.br/o-dia-em-que-pele-jogou-pelo-fluminense-em-1978

Tempão depois, quando o “Rei” veio a Brasília, junto com o cineasta Aníbal Massaini lançar o filme “Pelé Eterno”,  entreguei ao “Rei” uma fita cassete gravada como seu milésimo gol, que  e me fora presenteada pelo locutor Waldir Amaral, da Rádio Globo-RJ. Pelé abraçou-me, agradeceu, chorou em um dos meus ombros e eu aproveitei para perguntar-lhe sobre o dia em que ele havia “tricolado”. Confirmou-me a história da chuteira do Ximbica e comentou sobre a alegria da torcida ao vê-lo no gramado, com a camisa do Fluminense. E, sorrindo, brincou: “Já que você falou que eu tricolei, lhe digo mais: era pra eu ter tricolado, só por uns dez minutos, mas me empolguei e tricolei por todo o primeiro tempo”.

Certa vez, num desses encontros de treinadores, estava presente o Paulo Emílio, o técnico do Flu naquele jogo. Claro que ele se lembrava de tudo.  “Naquele dia, o ‘rei das redes’ fui o Marinho (Chagas), que fez dois gols” –  Gilson “Gênio” completou o serviço.

Cá entre nós: fiz um sacrifício dando pra levantar esta história toda, mas não perguntei a nenhum dos entrevistados contra quem fora o jogo, o placar  e onde a bola havia rolado. Pra piorar: não perguntei ao Pelé como ele havia sido resgatado de dentro do estádio. Informo, 46 temporadas depois: Fluminense 3 x 1  Racca Rovers, em 26 de abril de 1978, em Lagos, na Nigéria. – nunca é tarde para informar. 





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