O capitão do time vascaíno durante a conquista do título carioca de 1970, o então meia Bougleux - a imprensa escrevia Buglê - é um bom contador de histórias. Confira "um time" delas:
Buglê ofereceu e autogafou uma revista para o Kike |
2 – “Eu era o capitão do time vascaíno de 1970, mas o grande líder era o Silva (Walter Machado Silva, meia-atacante, camisa 10). Bem rodado, já havia passado por Corinthians, Flamengo, Racing-ARG e Barcelona-ESP, carregando muita bagagem. Era ótimo conselheiro. As vezes, levava o time todo para um cafezinho a casa dele. Via quando precisava de um trabalho psicológico, sem a participação da comissão técnica”.
3 – “O meu maior amigo em São Januário foi o Zé de Anchieta (como os mais íntimos tratavam o zagueiro Fontana. Foi o maior líder eu vi no Vasco. E, além de líder, era um pai para os mais novos. Fazia questão de ajudar, orientar, puramente, por questão de índole. A turma gostava muito, também, do Brito, por ser gozador brincalhão. Mas o “Zé de Anchieta se destacava na admiração geral. Era um santo homem. Que coração bonito!”
4 – “O Carlos Alberto Cavalheiro (diretor) me chamou, acho que na véspera da última partida (do Campeonato Carioca de 1970), para uma conversa. Se não me engano, estávamos concentrados na Urca. Lá fomos para uma sala, onde o Zé Bonetti (José, o supervisor) nos aguardava. Então, me explicaram terem me chamado porque eu era o capitão do time. Me contaram o Andrada (goleiro argentino) seria afastado do time, porque havia uma informação de que ele estaria vendido”.
5 – “Eu tinha 23 anos e já vivido grandes experiências, como rodar o mundo jogando ao lado de Pelé, enfrentando tempestades em aviões, para o Santos ganhar U$ 120 mi dólares por partida, no exterior. Jamais levara um choque tão grande como aquela notícia de que o Andrada estaria vendido. Não entrava em minha cabeça como um cara tão sério, que nunca dera motivos para suspeitas, pudesse passar por aquilo. Para mim, doeu muito mais, porque éramos muito amigos.
6 - Nada ficou provado contra o Andrada. Os caras (Carlos Alberto, Bonetti e Tim) não entregavam ninguém e nós nunca conseguimos descobrir de onde partira a notícia. Até pedimos ajuda ao Hélio Vigio, que era PM. Mas ele nunca nos retornou nenhuma informação. Então , preferimos acreditar que fora coisa plantada pelos adversários. Veja bem: o Fluminense estava na luta pelo bi; o Botafogo, que perder o tri para os tricolores, não se conformava; o Flamengo entrava quinto ano sem ser campeão, e o Bangu, que era forte na época, não ganhava nada há quatro. Eles não engoliam um time tão ruim como aquele do Vasco passá-los para trás.
6 - Frequentemente, depois dos treinos, o Andrada pedia ao Hélio Vigio (preparador físico), para colocar barreiras na pequena área. Então, deitava-se debaixo do gol, com as duas mãos no pescoço, esperando eu bater forte. Quando eu soltava a pancada, gritava e ele levantava-se para tentar a defesa. Ele considerava aqueles treinos muito importantes. “Pedi demissão do cargo”, depois que passei por uma cirurgia em um dos joelhos. Quando voltei a chutar, não tinha mais a força de antes0
7 – O Tim era um grandioso estrategista. Bote grande nisso. Nos dias de jogos (do Carioca-70), ele nos reunia, sempre às 11h, vinha com seus botões e fazia os últimos arremates para a partida do dia. Se não funcionasse, ele mudava a tática, durante no intervalo. Poderíamos até na vencer, mas melhorava o rendimento. Quando o Vasco perdeu o Nei (Oliveira, centroavante), o Tim se virou com o Valfrido, um sujeito que fazia os seus gols, mas estava muito distante do antigo titular. Achávamos esquisito, quando ele mandava o centroavante ir para a larteral-direita, em determinado momento da partida. Depois, a gente sacava qual era a dele. Via, rapidamente, o que a gente demorava a perceber.
8 - O Santos viajava pelo continente africano. Iria jogar em Cotonu (capital de Benin, na África Ocidental). Foi uma noite de terror. Chovia, havia turbulência e o avião encarou duas quedas bruscas de uns 400 metros de altitude. Nas duas veze, o Pelé nem se tocou. Não viu nada. Dormia, exaustíssimo, de tão cansado que estava. Durante os dois anos (1967/68) que passei no Santos, praticamente, não treinava. Só jogava e viajava. Os caras queriam tirar dinheiro do jeito que pudesse, enquanto tinham o Pelé. Por aquele tempo, jogávamos, se brincasse, umas 90 vezes por ano.
9 – Quando chegamos em Benin, todo mundo foi se preparando para descer. O Pelé continuava dormindo, como se estivesse no hotel. Aí o Zito lhe deu um tremendo cutucão. Ele acordou gritando, pê da vida; ‘ Pô, meu irmão, me deixa dormir. Vá encher o saco de sua veia. Deix´eu dormir. Tô pregado”.
10 - A turma achou que aquilo era sacanagem do Pelé. Não era possível ele não ter sentido as turbulências da viagem. E caímos de tapa em cima dele. Quando ele me viu no meio da sacanagem, gritou: “Mineirinho traidor, você, hem, conterrâneo! Se o Estado de Minas Gerais precisar de gente como você, t^f... e mal pago”.
11- Bougleux divide a capa desta edição da Revista do Esporte com o lateral-esquerdo santista Rildo.
11- Bougleux divide a capa desta edição da Revista do Esporte com o lateral-esquerdo santista Rildo.
Acabo de conhecer pessoalmente o Buglê em Brasília (fev/2015), com quem já havia falado por telefone algumas vezes. Ele foi meu ídolo no meu Vascão da Gama nos anos 70, quando na minha terra, Caculé-Ba, ainda nem tinha televisão, escutávamos o jogo pela Rádio Globo (Valdir Amaral, Jorge Curi, José Carlos Araújo.,.). Esse encontro já estava programado há algum tempo. Fiquei impressionado com a simpatia, a sobriedade, o caráter do Buglê... Fiquei muito emocionado mesmo ao conhecê-lo pessoalmente, apertar a sua mão, olhar nos seus olhos, e comentar tantas coisas do futebol de ouro de antigamente... Grande Buglê, que Deus te dê muita saúde e paz, você merece, és um grande homem!! Um abraço do seu eterno fã: Betão Pereira.
ResponderExcluir