Dois olhos como um oceano, absolutamente, não pacífico |
Ela foi uma mulher que, para o poeta,
tinha olhos que eram um oceano não pacífico. Realmente, a menina rica, bisneta
do barão de Monjardim, governador no Espírito Santo, neta do senador Monjardim e filha do deputado Monjardim
(Alcebíades) não era de poucas marolas. Casada com um filho do conde Matarazzo
(André), ela fez de tudo o que as meninas milionárias faziam. Passou pelos
melhores colégio, aprendeu música e balé, leu poesias e tornou-se uma das moças
mais bonitas do seu tempo. Uma história que jamais caberia em Cinderela.
O
personagem do parágrafo acima, embora vivesse no mundo do conto de fadas,
estava mais para uma Gata Borralheira. Em vez de ouvir os clássicos de Frederic
Chopin, preferia o samba de Noel Rosa e de Ari Barroso, escandalizando a sua
milionária família e os amigos daquele mundo, que escandalizava-se ainda mais
quando ela demonstrava muito mais interesse nas vozes de Elizete Cardoso, Araci
de Almeida e Carmem Costa, do que nas de Bidu Sayão e de Tito Schipa, que
poderia ouvi-las nas elegantes salas dedicadas às operas. Da mesma forma,
trocava Brailowski e Yasha Heifetz por Russo do Pandeiro. Nada de anormal para
quem preferia os versos de Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e de
Vinicius de Morais, em vez do modismo que glorificava Olegário Mariano e
Guilherme de Almeida.
Afinal,
quem é esta mulher, de cabeça, (além dos olhos) nada pacífica? Pois bem!
Trata-se de uma carioca, casualmente, criada em São Paulo, sempre esportiva e
mostrando inteligência nos estudos do internato Sacré Coeur de Marie. A sua
mães (Iná), mulher da fina flor da sociedade capixaba, a tinha como uma menina,
quando ela surpreendeu-lhe dizendo-se apaixonada por um amigo do pai. E, na
verdade, não deixava de ser mesmo uma criança para André Matarazzo Filho, o
Andrezinho.
O sorriso da fera...da canção |
Registrada e batizada por Maysa, a garota que
destoava das amigas ricas em preferências musicais e literárias, adorava cantar
e tocar violão nas festas da alta sociedade paulistana. Certa vez, mandou
“Adeus”, um samba-canção que ninguém conhecia. Quando alguém disse não ter
gostado, ela informou ter leta e
melodia de sua autoria. E, nada pacífica, desafinou “Desculpe-me por ter
nascido”. Esta era a Maysa, que tornou-se Matarazzo, ao
casar-se com o Andrezinho.
Ao
voltar da lua-de-mel, nos Estados Unidos, Maysa viveu uma vida social intensa
na capital paulista. Se lhe pedissem para cantar nas festas em que comparecia, era
com ela mesmo. Soltava aquela voz rouca e incomum, sem imitar ninguém, fosse
cantando em inglês, francês, ou português, idioma em que havia, sempre, uma
audição de algo composto por Noel. Quando mandava os sambas-canções, exibia
letra e música próprias, casos de “Adeus”; “Agonia”; “Marcada”; “Tarde Triste”;
“Rindo de Mim” e “Quando com a saudade”. Tudo aquilo foi criando-lhe fama e
mais fama, espalhada, por jornais e revistas cariocas e paulistas, para todo o
país.
Já que gostava de cantar e não precisava
fazê-lo por dinheiro, Maysa não se negava a participar de eventos beneficentes.
Até ali, nada de preocupante. Até uma noite em que apresentou-se em uma boate
badalada. Os jornalistas elogiaram e repercutiram tanto o show que as famílias
Matarazzo e Monjardim começaram a se preocuparem. E mais quando surgiram
propostas (recusadas) para Maysa cantar no rádio e na TV.
Cara de seriedade? Não lhe ficava bem |
Como os produtores musicais não queriam
aceitar que aquela voz tão diferente, acompanhada por intepretações admiráveis,
ficando restrita às reuniões dos grã-finos, passaram a pressionar Maysa para
ele chegar ao povão. Conseguiram. Mas, para acalmar os familiares, combinou que
gravaria as suas composições, cedendo os seus direitos autorais às associações
beneficentes. Então, o maestro Rafael Puglielli
orquestrou, para o selo RGE, o LP (long-playing) “Convite para ouvir Maysa”,
que tornou-se o mais vendido de São Paulo e rendeu-lhe os títulos de revelação
feminina, melhor letrista e compositor
de 1956.
Com o nascimento de um filho (Jayme), Maysa
teve de desmentir, por várias vezes, a sua adesão definitiva à carreira
artística. Mas não tinha como fugir do seu destino. Compôs mais dois
sambas-canções (“Ouça” e um dedicado a Noel Rosa, sem dar-lhe título) e
terminou assinando contrato com a Rádio e TV Record-SP, graças à insistência de
Roberto Corte-Real, para fazer um programa semanal, patrocinado pela “Bombril”,
empresa de amigos da família. Reverteu os seus ganhos, com sempre o fazia, para
uma associação de caridade, e tornou-se uma das maiores atrações musicais
paulistas. Depois, brasileiras. Enquanto viveu, vivendo vários amores, nada
pacificamente, entre 6 de junho de 1936 a
22 de janeiro de 1977, deixou gravados 16 discos em estúdios e dois ao vivo.
Além de cantar, participou de duas novelas de TV e de uma peça teatral.
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