O cearense Zé
Carlos Bardawil foi um das figuras mais interessantes que já passaram pelo
jornalismo brasileiro. As vezes, parecia personagem de filme pra fazer criança
sorrir, se disfarçando de arrumador de linha telefônica para penetrar e
reuniões secretas da ARENA-Aliança Renovadora Nacional (partido da ditadura
militar dos generais-presidentes), e do MDB-Movimento Democrático Brasileiro, a
oposição dos tempos do bipartidarismo.
No entanto, a sua
história “mais + mais” aconteceu em São
Paulo, quando ele trabalhava para o jornal Notícias
Populares, aquele da fórmula “torce e
cai sangue”. Como no Brasil acontece de tudo, lá pelas tantas, os bandidos
ficaram em “bandidar” na capital
paulista e o hebdomadário passou três
dias sem manchete. As vendas, que não passavam de três a cinco mil diárias, a
depender do crime do dia, desceram ao fundo do poço. Foi então que o Bardawil
teve a ideia de telefonar para Roberto Carlos, que começava a incendiar a
juventude brazuca com a Jovem Guarda.
Falou com o Paulinho Machado de Carvalho, o chefão da TV Record, e este
disse-lhe que o cantor, que havia se casado na Bolívia e passava lua-de-mel nos
Estados Unidos tinha “bebido chá de
sumiço” e estava há quase uma semana sem dar notícias.
Bardawil mandou a
manchete: “Roberto Carlos sumiu”.
Resultado: a calçada da TV Record ficou repleta de fãs querendo saber notícias
do futuro “Rei da Música Popular Braisleira”, alguns forçando a barra para
entrar no prédio. Foi preciso o Paulinho Machado pedir socorro à PM. Depois,
ligou para o Barda (como o chamávamos) e mandou-lhe aquele esporrão. Malmente
desligou o telefone, o Roberto Carlos deu sinal de vida. Imediatamente, o
Paulinho voltou a ligar para o Barda e, invocando a lei: exigiu desmentido na
primeira página. Desfecho da questão: “Roberto Carlos reaparece’ e 40 mil
jornais a mais vendidos naqueles dois dias.
Quando o Roberto voltou, o intrépido Barda teve uma outra ideia: fazer uma fotonovela com o astro numa página inteira do Notícias Populares. Meio-duro (ainda não era nem classe média alta), por ter gasto muita grana com casamento (com Nice Rossi) e lua-de-mel no exterior, o cantor topou. O Bardawil levou-o para um sala ao lado da redação, onde havia um sofá, arrumou duas meninas de programa e criou, na hora, uma história em que o astro era disputado por duas namoradas. Saldo: mais de 50 mil jornais vendidos.
Com o tremendo sucesso naquela investida, o Barda fez outras fotonovelas, com Wanderley Cardoso, Wanderléa, a turma do iê-iê-iê que dominava as paradas de sucesso. Obrigou os jornalões tradicionais que só noticiavam cantores em páginas internas a mudarem de postura – só as revistas Intervalo e Contigo divulgavam a turma. Pra completar a sacada, o Barda inventou mulheres de minisaia cruzando as pernas, mostrando a calcinha, na primeira página. Chocante para a época, mas as vendas chegaram aos 100 mil exemplares diários. As vezes, a depender da mostra das coxas e da calcinha da menina, até 150 mil exemplares eram vendidos aos consumidores das classes D, E, F…
Para quem havia
levado um jornal que vendia 3 a 5 mil exemplares por dia, para 150 mil, Notícia
Populares não deveria ser mais a casa do Barda. Era hora de subir bem mais
alto. Mas ele não recebeu convite de ninguém. Espantou-se com o preconceito dos
próprios colegas de profissão sobre quem trabalhava para jornal
“sensacionalista, torce sangue”. Sorte a dele que estava surgindo a Veja e ele foi trabalhar com o Mino
Carta, europeu meio-século à frente dos jornalistas brasileiros.
Rola o tempo e o Barda vem para Brasília da Ditadura que ameaçava jornalista caso não gostasse da notícia. Um dia, ele deparou-se com um foto do presidente-general Costa e Silva parecendo ter abaixado para pegar alguma coisa no chão. Coincidentemente por ali, o homem havia assinado alguma coisa sem tomar conhecimento do Legislativo. O Barda imaginado a Veja com a foto do presidente “pisando no Congresso Nacional”. Trocou ideias com o Mino Carta e este programou uma capa com a montagem da foto. O problema era só fazê-la chegar até ele, pois tudo era censurado pelos miliares e que chegavam a colocar gente dentro das redações dos jornais.
Para que a foto chegasse ao Mino, o intrépido Bardawil conseguiu passagem no último voo de uma noite de sexta-feira, para o Rio de Janeiro, na vaga de um deputado que havia sentido-se mal e não pudera viajar. Para São Paulo, estava tudo lotado. Ele chegou ao Rio pela madrugada, pegou um ônibus para “Sampa” e, por volta das 11h, entregou a foto ao Carta. Às 16h, a Veja estava nas bancas: às 17, sendo recohida pela Ditadura; às 18, o Barda na cadeia.
Link abaixo
publicado pelo Jornal de Brasília de 05.01.2025 e trazido para cá pelol Túnel do Tempo
https://jornaldebrasilia.com.
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