Paulinho Machado vendeu o horário... |
Os carinhas não eram bobos. Já haviam sacado que
artista brasileiro pra fazer sucesso naquela metade da década-60 teria que
passar, inevitavelmente, pela telinha da TV Record. De preferência, depois das 20h,
quando o então Canal 7 exibia shows de auditório – Astros do Disco; Corte-Rayol
Show; Bossaudade; O Fino da Bossa; Família Trapo; Praça da Alegria e Esta Noite
se Improvisa - que geravam picos de 89 a 90% de audiência,
enloquecendo a concorrente Excelsior.
Na verdade, Paulinho - o executivo filho do dono da
casa, Paulo Machado de Carvalho, que chefiara a Seleção Brasileira durante o
bicampeonato mundial de futebol, em 1958 e 62 - já pensava na possibilidade de
criar programa para jovens e gente menos politizada do que assistia O Fino
da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues. Ele já havia penrcebido que não
dava mais pra ignorar o fenômeno beatlemania psicodélica, tocado aqui no
Brasil pelos cabeludos que lhe enchiam o saco.
...Carlito Maia o comprou e... |
Vítima de
vários incêndios, a Record não tinha
condições técnicas e nem fórmulas mágicas para derrubar a Excelsior, antes das 20 horas. Os Machado de Carvalho apostavam em
seus artistas como único objeto de interesse do telespectador e os fazia,
também, de cenários, pois não havia como mudar ambientes dispondo de um só palco.
Foi, então, que uma imprevista fórmula mágica bateu à
porta da emissora: a Federação Paulista de Futebol proibiu as transmissões dos
jogos das tardes dos domingos, abrindo um buraco em sua programação. Era a hora de Paulinho atender os cabeludos,
principalmente porque uma agência publicitária – Maia & Magaldi & Prosperi – desejava criar ídolos de
consumo de massa, como ocorria nos Estados Unidos.
Só pintou um problema para a Record criar programa para
a classe média e os jovens: a elite brasileira associava cabeludos a
delinquentes, o que emperrava negociações da agência com muitos patrocinadores,
que se recusavam a vincular seus produtos com aquela turma que passava longe
dos barbeiros. O jeito, então, foi a agência publicitária comprar o horário vago
e bancar os custos de produção. Entre publicitários, jornalistas, maquiadores,
costureiros e cenógrafos, contratou 30 profissionais e foi à luta.
...baseado em frase de Lenin... |
- Eu tenho um amigo que é o cara certo para o que
vocês querem, respondeu, sugerindo Roberto Carlos, que emplacou.
Quanto ao nome
do programa, Carlito Maia, simpatizante do socialismo, lembrou-se da frase – “O futuro pertence à jovem guarda, pois a
velha está ultrapassada”, artribuida ao camarada Lênin (Vladimir Ilitch Ulyanov
(1870 e 1024), e barrou a sugestão “Festa de Arromba”, o título de um sucesso
de Erasmo, desfilando os nomes da patota jovem da música brasileira.
Para Carlito,
um programa de TV não deveria ser como festas, eventos efêmeros. Roberto, que
não era politizado, como toda a sua turma, achou aquilo muito estranho para sessão
de música jovem em auditório. Mas a Record
foi em frente e pediu permissão ao jornal Folha
de São Paulo para momear a sua nova proposta com o título da coluna social de
Tavares de Miranda. Se bem que, na década-50, Ricardo Amaral apresentara programa
dominical noturno, com o mesmo título, entrevistando socialistas paulistanas.
...colocou na tela da TV um programa musical... |
... para a juventude da onda... |
Só uma bola fora para o primeiro programa: não convidaram
Renato e Seus Blue Caps que, com Menina
Linda, (versão da beatlemaníaca I Should Have Known Better), brigava com
Roberto Carlos pelos primeiros lugares das paradas de sucesso.
Pissadas na bola à parte, começava, por ali, um período de ostracismo para o bolero, o samba, o samba-canção e o jazz que, antes, tomavam conta das ondas do rádio brasileiro.
Pissadas na bola à parte, começava, por ali, um período de ostracismo para o bolero, o samba, o samba-canção e o jazz que, antes, tomavam conta das ondas do rádio brasileiro.
Roberto, com
23 de idade, abria o Jovem Guarda
quase sempre cantando O Calhambeque,
versão dele e de Erasmo para Road Hog,
dos norte-americanos Gwen/John Loudemilk. Usava o terninho beatlemaníaco da
moda, preto e sem gola, e, antes de entrar no palco, bebia um gole do aperitivo
francês San Raphael, para ficar mais
solto. Mas foi com sugestão do radialista Jair de Taumaturgo, para movimentar-se
mais pelo palco e a fazer gestos, que ele consagrou o estilo que marcou a Jovem Guarda. Nos primeiros acordes de O Calhambeque, Roberto abria os braços,
curvava-se e apontava para quem viria cantar, gritando, por exemplo:
...liderado por Roberto, Wanderléa e Erasmo e que teve... |
Mesmo tendo
como um dos seus mentores um socialista atuante no mercado capitalista e querendo repetir padrões de
consumo norte-americano, a Jovem Guarda
surgiu enfrentando o preconceito das esquerdas, que a consideravam produto da
alienação política, ao contrário da outras manifestações da música popular
brasileira que cantavam o morro, a miséria.
Realmente, suas letras seguiam a
estrutura das ingênuas histórias em quadrinhos, incidindo sobre o namoro, o
carrão, coisas que marcavam o sonho dos jovens da classe média da época. Não
eram como a Bossa Nova, valorizadora da forma, do estilo, do conteúdo.
...estes sucesseiros a partir do segundo programa. |
Para aquela turma, como poderia o brasileiro, naquele
momento em que o governo militar editava o Ato Institucional-2 (AI-2), suportar
cabeludos usando terninhos justos, roupas coloridas, botinhas com saltos
carrapeta e gritando o beatlemaníaco ié-ié-é? E o pior: com os
dedos cheios de anéis portando “desenhos de figuras representantes do
imperialismo”, como Brucutu e Fantasma,
heróis da garotada nos quadrinhos – foi assim, há 23. 330 dias, ou
64 temporadas, celebradas neste 22 de
agosto, quinta-feira.
Nenhum comentário:
Postar um comentário