Vasco

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

KIKE EDITORIAL-5 - NÉLSON RODRIGUES

                                                                           
 Se ainda habitasse este planeta, Nélson Rodrigues, pernambucano nascido em 23 de agosto de 1912, em Recife, estaria convivendo com rótulos de tarado, reacionário infiel e volúvel, entre outros. Na verdade, de tudo o que lhe imputavam,  ele só foi volúvel, apaixonava-se a cada segundo. Teve várias paixões, mas só um amor verdadeiro, Elza, a sua primeira mulher,  embora errasse nas contas e dissesse ter tido três, entre tantas puladas de cerca.
Um dos maiores teatrólogos brasileiros, Nélson Rodrigues  foi um produto do  meio em que viveu, quando criança, ao chegar ao Rio de Janeiro. Na sua rua, convivia com tudo quando era baixaria do nível social dos moradores. Não foi a toa que, aos nove anos de idade, fez uma redação escolar, tendo por tema um par de chifres que vira um dos maridos das vizinhanças usar. É, também, da primeira rua carioca em que viveu que vem o seu teatro. No jornalismo, iniciou aos 13 anos. Ele tem 17 peças, começadas por “A mulher sem pecado”, de 1941, e encerrado com “A Serpente”, em 1978. Foi uma trajetória de textos sempre na mira da censura, quando não eram proibidos, recusados por produtores,  atores e atrizes, e geradores de brigas com pretensos guardiões  da moral e dos bons costumes, os quais ele os desafiava, aos palavrões, respondendo vaias aos finais de espetáculos.
Nélson Rodrigues foi um intelectual que jamais se escondeu sob mantos ideológicos. Acusado de reacionário, dizia-se defensor da liberdade. Por ter horror ao comunismo, defendeu a revolução de 31 de março de 1964. Só perdeu a fé nos generais-presidentes  quando Garrastazu Medici garantiu-lhe não haver tortura no Brasil, o que  ele viu escancarado na pele do filho Nelsinho, que ligou-se ao MR-8 e passou sete anos na cadeia.
Quando nada, o apoio de Nélson Rodrigues aos militares serviu para ele salvar muitos intelectuais dos porões da ditadura, como Augusto Boal, Hélio Pelegrino e Zuenir Ventura, entre alguns. Só não teve forças para desviar o Nelsinho da luta armada. Chegou a negociar, com o general Medici, um visto de saída do país para o rapaz, antes de ser preso, mas este, aos 24 anos, preferia ser guerrilheiro urbano.       
 Nélson era um sujeito, financeiramente, desorganizado. Nunca teve independência financeira. Certa vez, vendeu, para o cinema, os direitos de “Todas nudez será castigada”,  por apenas 500 dólares, enquanto o a renda de bilheteria atingiu US$ 7,2 milhões. Indicado para representar o Brasil no alemão Festival Internacional de Berlim, antes de sair do Brasil, a película foi retirada de cartaz e proibida, pela Polícia Federal.
Admirado pelos patrões, pelo que produzia e os fazia lucrar muito, por suas crônicas, colunas (“A vida como ele é”, em Última Hora, durou dez anos), folhetins (assinados por Suzana Flag), novelas televisivas e  livros, este pernambucano arretado parecia ter nascido para ser a própria polêmica. Chegou a ter uma cabra pastando, em um quadro de um programa de TV, enquanto entrevistava personagens importantes de vários setores da vida nacional. Pior: classificou, de burro, o videoteipe, recurso mais moderno da então TV brasileira, durante discussões em uma mesa redonda das noites de domingo, por discordar de uma marcação do juiz, em um jogo do  seu Fluminense. Seria capaz de preferir o inglês “centenial” ao correspondente português “centenário”, pois, em um estádio com tal nome (no Uruguai), o Brasil fora eliminado da Copa do Mundo-1930, e para ele, a seleção era a pátria de chuteiras.  

SURPREENDENTE – Nélson Rodrigues teve, sempre, no jornalismo esportivo, um porto seguro. Foi um dos seus grandes ganha-pão, por toda a vida. No entanto, em “O Globo”, certa vez,  encheu o saco das quatro linhas, e decidiu escrever sobre óperas. O editor riu em sua cara. Onde já se viu um repórter esportivo se meter a tanto? Pois ele foi lá e mostrou o seu veneno. Conhecia o terreno. Um pouco antes, quando o pai lhe permitira ser cronista cultural, em seu jornal (Crítica), teve de rebaixá-lo a repórter policial, por escrever verdades sobre o inabalável quem a “inteligentzia” brasileira não ousava  criticar.
Pela coragem de estampar incestos, adultérios, suicídios, abortos e “etceteras” que a sociedade praticava, mas não assumia, Nélson Rodrigues tornou-se maldito, elemento nocivo ao bem estar comum da família brasileira. Em defesa desta, principalmente de uma de suas principais instituições, o casamento, o governo chegou a passar por cima da constituição e proibi-lo, o que não era novidade. As vezes, exagerava. Implicância! Tanto que até a igreja o apoiava, mesmo com suas criticas aos “padres de passeatas”, como classificava os sacerdotes de esquerda. O certo, porém, foi que, com ou sem apoio, Nélson teve peça “Álbum de Família” passando quase 20 anos interditada.
Mestre em pregar peças aos velhos, novos e ex-amigos, com a mesma categoria que escandalizava leitores e espectadores, Nélson  Rodrigues saiu de cena do jeito que a sua vida pedia: pregando-lhe uma peça. No início da manhã de 21 de dezembro de 1980, ele deixou este mundo. Ao final da rodada do futebol daquele domingo, havia acertado os 13 pontos da Loteria Esportiva, o grande sonho dos brasileiros da época Não deu para ele escrever “O Sortudo do Além”, digamos. Seguramente, seria munição para um texto bem “nelsonrodriguesano”. Evidentemente, com ele no papel principal.

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