Um
dos maiores teatrólogos brasileiros, Nélson Rodrigues foi um produto do meio em que viveu, quando criança, ao chegar
ao Rio de Janeiro. Na sua rua, convivia com tudo quando era baixaria
do nível social dos moradores. Não foi a toa que, aos nove anos de idade, fez
uma redação escolar, tendo por tema um par de chifres que vira um dos maridos
das vizinhanças usar. É, também, da primeira rua carioca em que viveu que vem o seu
teatro. No jornalismo, iniciou aos 13 anos. Ele tem 17 peças, começadas por “A
mulher sem pecado”, de 1941, e encerrado com “A Serpente”, em 1978. Foi uma
trajetória de textos sempre na mira da censura, quando não eram proibidos,
recusados por produtores, atores e
atrizes, e geradores de brigas com pretensos guardiões da moral e dos bons costumes, os quais ele os
desafiava, aos palavrões, respondendo vaias aos finais de espetáculos.
Nélson
Rodrigues foi um intelectual que jamais se escondeu sob mantos ideológicos.
Acusado de reacionário, dizia-se defensor da liberdade. Por ter horror ao
comunismo, defendeu a revolução de 31 de março de 1964. Só perdeu a fé nos
generais-presidentes quando Garrastazu
Medici garantiu-lhe não haver tortura no Brasil, o que ele viu escancarado na pele do filho
Nelsinho, que ligou-se ao MR-8 e passou sete anos na cadeia.
Quando
nada, o apoio de Nélson Rodrigues aos militares serviu para ele salvar muitos
intelectuais dos porões da ditadura, como Augusto Boal, Hélio Pelegrino e
Zuenir Ventura, entre alguns. Só não teve forças para desviar o Nelsinho da
luta armada. Chegou a negociar, com o general Medici, um visto de saída do
país para o rapaz, antes de ser preso, mas este, aos 24 anos, preferia ser
guerrilheiro urbano.
Nélson era um sujeito, financeiramente,
desorganizado. Nunca teve independência financeira. Certa vez, vendeu, para o
cinema, os direitos de “Todas nudez será castigada”, por apenas 500 dólares, enquanto o a renda de
bilheteria atingiu US$ 7,2 milhões. Indicado para representar o Brasil no
alemão Festival Internacional de Berlim, antes de sair do Brasil, a película
foi retirada de cartaz e proibida, pela Polícia Federal.
Admirado
pelos patrões, pelo que produzia e os fazia lucrar muito, por suas crônicas,
colunas (“A vida como ele é”, em Última Hora, durou dez anos), folhetins
(assinados por Suzana Flag), novelas televisivas e
livros, este pernambucano arretado parecia ter nascido para ser a
própria polêmica. Chegou a ter uma cabra pastando, em um quadro de um programa
de TV, enquanto entrevistava personagens importantes de vários setores da vida
nacional. Pior: classificou, de burro, o videoteipe, recurso mais moderno da
então TV brasileira, durante discussões em uma mesa redonda das noites de
domingo, por discordar de uma marcação do juiz, em um jogo do seu Fluminense. Seria capaz de preferir o
inglês “centenial” ao correspondente português “centenário”, pois, em um
estádio com tal nome (no Uruguai), o Brasil fora eliminado da Copa do
Mundo-1930, e para ele, a seleção era a pátria de chuteiras.
SURPREENDENTE
– Nélson Rodrigues teve, sempre, no jornalismo esportivo, um porto seguro. Foi
um dos seus grandes ganha-pão, por toda a vida. No entanto, em “O Globo”, certa
vez, encheu o saco das quatro linhas, e
decidiu escrever sobre óperas. O editor riu em sua cara. Onde já se viu um
repórter esportivo se meter a tanto? Pois ele foi lá e mostrou o seu veneno.
Conhecia o terreno. Um pouco antes, quando o pai lhe permitira ser cronista
cultural, em seu jornal (Crítica), teve de rebaixá-lo a repórter policial, por
escrever verdades sobre o inabalável quem a
“inteligentzia” brasileira não ousava
criticar.
Pela
coragem de estampar incestos, adultérios, suicídios, abortos e “etceteras” que
a sociedade praticava, mas não assumia, Nélson Rodrigues tornou-se maldito,
elemento nocivo ao bem estar comum da família brasileira. Em defesa desta,
principalmente de uma de suas principais instituições, o casamento, o governo
chegou a passar por cima da constituição e proibi-lo, o que não era
novidade. As vezes, exagerava. Implicância! Tanto que até a igreja o apoiava,
mesmo com suas criticas aos “padres de passeatas”, como classificava os
sacerdotes de esquerda. O certo, porém, foi que, com ou sem apoio, Nélson teve
peça “Álbum de Família” passando quase 20 anos interditada.
Mestre
em pregar peças aos velhos, novos e ex-amigos, com a mesma categoria que
escandalizava leitores e espectadores, Nélson
Rodrigues saiu de cena do jeito que a sua vida pedia: pregando-lhe uma
peça. No início da manhã de 21 de dezembro de 1980, ele deixou este mundo. Ao
final da rodada do futebol daquele domingo, havia acertado os 13 pontos da
Loteria Esportiva, o grande sonho dos brasileiros da época Não deu para ele
escrever “O Sortudo do Além”, digamos. Seguramente, seria munição
para um texto bem “nelsonrodriguesano”. Evidentemente, com ele no papel
principal.
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