Vasco

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segunda-feira, 14 de julho de 2014

LENDAS DA COLINA - JAGUARELLA

Maria Luísa era uma simpatia. Bem como seu pai, Raimundo Domingos Felisberto, do qual ela brincava, dizendo ser proprietário de quatro bens: três nomes próprios e um apelido, “Jaguar”. Este, por causa de um time de futebol (homônimo) que criara, nos tempos em que era um bom centroavante da Chapada do Jaguar.
Malu, como as amigas chamavam Maria Luísa, era alta, com 1m74cm, esquia, e tinha o apelido, também, de Silvinha, porque a turma a achava muito parecida com a cantora que pintava nas paradas de sucesso com a música “Feitiço de Broto”, de Carlos Imperial.
Um dia, Malu disse ao seu pai – que não rolava mais a pelota, só comandava o seu time e apitava jogos para todos que lhe pediam, de meninos a coroas – que pretendia criar uma seção feminina do Jaguar Futebol Clube. E, com o apoio do melhor pedreiro da terra, colocou em campo o Jaguar & Elas”. De quebra, o pai ainda virou treinador da moçada.
Malu era goleira. Isto é: goleira-zagueira-volante-meia-atacante. Quando seu time demorava a ser atacado, a primeira bola que pintasse em sua área, ela a interceptava e saia driblando todo mundo, até arrematar contra o arco adversário, evidentemente. A galera gostava, vibrava, aplaudia
Com a sucessão de jogos e a fama que foi ganhando, Malu deixou de ser chamada pelos seus dois apelidos. Se, no passado, o seu pai incorporara o nome do seu time, o Jaguar, no presente acontecera o mesmo com ela. Quando “zagueirava” e passava por todo mundo, a turma eufórica, agitada, gritava:
- Jaguarela! Jaguarela! – o jornalzinho da cidade escrevia com dois “l” – Jaguarella.
Jaguarella tinha um grande sonho: conhecer o Rio de Janeiro, o Maracanã, São Januário e, enquanto estivesse na Cidade Maravilhosa, assistir quantos jogos pudesse do seu clube de coração, o Vasco da Gama. Em um verão, pelos meados de janeiro, quando a bola estava de recesso em sua terra, ela viajou ao RJ, com mais duas amigas. Chegaram na noite de um sábado. No domingo, foram à praia. Jaguarella colocou um “top” mostrando o emblema vascaíno no peito esquerdo e do lado, também esquerdo, no biquíni. Depois de vários mergulhos pela águas frias do mar carioca, deixou as amigas sentadas na areia e foi até uma carrocinha desses vendedores de mate gelado. Estava pagando ao rapaz, quando surgiu diante dela um fotógrafo, que chegou exclamando:
- Que beleza! Uma cruzmaltina. Do meu time. Posso fazer uma foto sua? Trabalho para o Jornal dos Sports.
Jaguarella consentiu, fez uma pose, o carinha clicou a sua máquina, por várias vezes, e depois convidou-a a ver o resultado. Disse-lhe que, aos domingos, ia à praia fotografar as “Lobas de Copacabana”.
- Eu, uma loba? Só se for chapada- ela brincou, do que aproveitou-se o fotógrafo para propor-lhe:
- Estou trabalhando para a organização de um concurso que selecionará modelos. Você tem estampa. Não quer ir nessa?
Naquele instante, as amigas de Jaguarella foram chegando, ouviram o papo, e a atiçaram:
-Topa, sim! Topa! Ela topa – disseram para o fotógrafo.
- Como é o seu nome –indagou Jaguarella.
- Ronaldo‘Gravatinha”, é como me chamam – informou, entregando-lhe um cartão.
Como os time cariocas estavam fazendo pré-temporada fora do Rio de Janeiro, Jaguarella nem pôde ver o Vasco jogar, e nem foi ao Maracanã e a São Januário. Preferiu passear, com as amigas que, de tanto insistirem, fizeram-na ir ao local de inscrição do concurso. Por lá encontrou-se com Ronaldo “Gravatinha”,que juntou-se às três meninas e a inscreveram.
Peré-selecionada entre as 25 finalistas, Jaguarella ficou no Rio, por conta da organização do concurso, para receber aulas de tudo alusivo à carreira de modelo, pois a seleção inicial analisara as candidatas em estado bruto. As amigas voltaram para casas, ficando na torcida por ela. E nem precisaram torcer tanto. Jaguarella venceu, fácil. E ganhou aplausos frenéticos, quando, ao ser anunciada a vencedora, levantou o braço direito, gritando “yéééah” e exibindo na axila, um escudo do Vasco da Gama. Até parecia que tudo havia conspirado para ela ter uma noite gloriosíssima. A maioria dos presentes era de torcedores cruzmaltinos, que levantaram-se, aplaudindo-a, delirantemente.
Ronaldo ‘Gravatinha” caprichou nas fotos. No dia seguinte, estava estampado na capa do Jornal do Brasil: “Fera do Verão é a Loba da Colina”.
De capa do “JB”,Jaguarella passou a capa da “Revista de Domingo”, da mesma publicação; do“Jornal dos Sports”; da “Revista do Esporte”; de “A Gazeta Esprotiva” e das revistas de variedades Fatos&Fotos, Manchete, O Cruzeiro, Intervalo, Capricho, Contigo, Sétimo Céu e da seção“Domingo é Dia de Mulher Bonita”, do blog “Kike da Bola”. Claro que ela recebeu várias propostas para desfilar modas. Mas preferiu assinar contrato para defender o time feminino de futebol do Vasco da Gama.
Pelas “Meninas da Colina”, a terrível Jaguarella repetiu as gracinhas do seu tempo do Jaguar& Elas, na Chapada do Jaguará. Acrescentando invenções. As vezes, jogava usando chapéu, que podia ser até de palha, tipo panamá. Em uma calorenta tarde‘sabadeira”, diante Rubro-Anil, ela foi “demais-issima”. Ao defender um chute fácil de pegar, atirou a bola na cabeça da adversária e, na volta da pelota, pulou na gorduchinha, fazendo uma pirueta, para muitos sorrisos e aplausos da torcida. Que riu muito mais durante o jogo contra o Rubro-Negro, quando ela defendeu um pênalti e, depois, atirou a esférica nos pé da cobradora, que emendou, para o seu canto direito. Foi buscar, novamente. Voltou a oferecer o chute à mesma moça, que visou o outro lado. De novo, ela foi buscar. Então, parou diante da perdedora de pênaltis, soltou a bola diante dela e, quando a rival tentou dominá-la, aplicou-lhe um chapeuzinho, com o bico da chuteira.
Que fará, que festa para a galera!
- Jaguarella! Jaguarella” – gritava a moçada, em todos os jogos. Ela era uma ‘ídala”, como Ronaldo “Gravatinha” a chamava, já de todos os torcedores do Rio de Janeiro. Até quem não torcia pelo Vasco ia vê-la jogar.
Perto das Olimpíadas, Jaguarella foi, evidentemente, convocada para ajudar ao Brasil trazer a medalha de ouro, a única que faltava ao futebol canarinho. E nem precisas dizer que ela foi o maior nome dos Jogos, com as suas brincadeiras no gol. Levou o “scratch” nacional à decisão do título. Contra Portugal.
Após 90 minutos e duas prorrogações de 30, o “garoto do placar” insistia em ganhar sem trabalhar. Foi preciso uma decisão por pênaltis. Mas parecia que gol só na final dos próximos Jogos Olímpicos, pois o Brasil havia desperdiçado as suas quatro cobranças, bem como as portuguesinhas.
A última cobrança, a que poderia determinar quem levaria a“gol medal”, foi de Jaguarella. Autorizada pelo juiz, ela virou-se de costas, bateu com o calcanhar direito na bola, e esta passou rente à interseção do poste esquerdo da defensora, com o travessão. Desceu e quicou no terreno. As brasileiras comemoraram, garantindo que a bola entrara. As portuguesas sustentavam que não ultrapassara a linha fatal.
- Pôijz, pôijz, mininas brasilairas, não foi golo – diziam elas.
E a discussão rolou solta. Foi preciso o Comitê Olímpico Internacional tirar as provas pelo “chip” da bola. Que constatou ter adentrado à meta lusitana por 33 milímetros.
Instantes depois, Jaguarella era manchete em todos os sites. Só Ronaldo “Gravatinha” flagara a sua defesa mais sensacional, durante as cobranças de pentes. Quando jogara o corpo para a frente, num voo rasante sobre a pequena área, e defendera a bola, pelo alto, com os calcanhares. Debaixo da fotografia, aberta em metade de página, a manchete do “Jornal dos Sports” estardalhaçava:
- Jaguarella, a Loba da Colina, mostra garras de 33 milímetros.
A cerimônia de entrega das medalhas foi no centro do gramado. Quando o preside4ne do Comitê Olímpico Internacional colocou o ouro no peito de Jaguarella, o estádio inteiro explodiu em aplausos. Ela agradeceu, acenando, com os dois braços. Em seguida, tirou a medalha do pescoço, jogou-a para cima, e voou atrás dela. Voou, voou, voou, voou. Desapareceu do estádio, voando atrás da medalha, como se fosse praticar mais uma defesa. Foi descer no meio do gramado de Chapada do Jaguará, montada em um jaguar, ouvindo todo o público gritar:
- Jaguarella! Jaguarella! Jaguarella!
Ela já estava pronta disputar mais um jogo do Jaguar& Elas.
DEDICADO A UM DOS MAIORES GOLEIROS DAS HISTÓRIA CRUZMALTINA, O GRANDE Jaguaré Bezerra de Vasconcelos, que viveu entre 14 de julho de 1905 e 27 de outubro de 1940, tendo tido, também, os apelidos de "Dengoso" "Le Jaguar", este quando jogou na Europa.

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