Parecia uma novela. Dos tempos em que a
Rádio Nacional comovia o país inteiro, transmitindo dramalhões de arrepiar.
Estrelando um roteiro real, uma linda e confusa garota disputada por um tenente
e um bancário. Do outro lado do aparelho, ouvintes, cada vez mais ligados nos
capítulos diários, apostando no que iria dar a cartada final.
A
sinopse do início do texto apresentava Marina de Andrade Costa colada no
ex-namorado Afrânio Arsênio de Lemos – servidor da agência de Botafogo do Banco
do Brasil –, sem perder o contato com o seu primeiro amor e escrevendo-lhe
dedicatórias apaixonadas e provocando o ciúme extremo de Alberto Jorge Franco
Bandeira, oficial da Aeronáutica.
Tudo em cima! Como mandava o figurino da
época, para dominar a audiência, que estava lá em cima quando a
sonoplastia do capítulo da noite de 6 de abril de 1952 usava o som do motor de carro
deslizando pelo asfalto da Avenida Epitácio Pessoa, margeando a Lagoa Rodrigo
de Freitas, parar pelas proximidades do Clube Caiçara. Seguem-se três tiros, o
ouvinte fica sabendo terem atingido a cabeça, o hemitórax direito e o abdómen
da vítima.
Ninguém
sai de perto do rádio. Ouve-se que que o assassino usara um revólver Smith
Wesson, calibre 32, de carga dupla, e deixara 14 lesões na cabeça do coitado,
produzidas por golpes sucessivos à coronhadas.
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O caso virou filme, em 1963 |
- Óoooooooh! – exclamavam os ouvintes,
quando o capítulo era interrompido para a divulgação das propaganda da
brilhantina Glostora, da cera Parquetina, do sabonete Eucalol e do colírio
Moura Brasil.
Decepções com os comerciais passadas, é após o
“estamos de volta” do locutor que o ouvinte vive as maiores emoções do capítulo
daquela noite. É narrado que, no dia seguinte, um Citroen peto parado e com os
faróis acesos é encontrado na Ladeira do Sacopã, com um corpo caído lá dentro.
Dentro da carteira da vítima, a foto de uma bonita morena tinha escrito no
verso: “Este sorriso te pertence”.
- E, não percam, amanhã, neste mesmo
horário, mais um sensacional capítulo desta novela escrita por Marina Costa,
Afrânio Lemos e o Tenente Bandeira – diria o locutor, par amais um “Óoooooo!”
da enorme audiência, por todos os rincões do solo pátrio.
2 – Entra em cena o delgado Hermes
Machado, do 2º Distrito Policial, de Copacabana e que, após seguir várias
pistas, passa a crer que o tenente matara ao bancário. Chamado a depor, ela
nega, afirmando que estivera, até tarde da noite do crime, na casa da avó, à
Rua Voluntários da Pátria, em Botafogo.
Também chamada a depor, Marina tenta
inocentar o namorado. No dia seguinte ao crime, este surge em sua casa,
pedindo-lhe para esconder o seu revólver e ordena-lhe bico fechado, sob pena de
ser enforcada com uma echarpe, que seria apertada, vagarosamente, até ela ficar
roxinha.
- Matei por sua causa – confessou-lhe o
tenente.![]() |
Foto Divulgação do ator Alberto Jorge no filme de Roberto Pires |
Assustada, Marina recorre ao advogado
Plínio Moreira Lima, contando-lhe ter o militar lhe confessado o crime, ela feito
declarações falsas à policia, por temer as suas ameaças, e pede um novo
depoimento. Pede, também, ao delegado
Hermes Machado, um policial para protegê-la durante as 24 horas do dia, no que
é atendida, recebendo um investigador morar em sua residência, passando-se pelo
primo José, que anota todas as confidências do tenente, que já contratara o
advogado Romeiro Neto, o principal criminalista do Rio de Janeiro.
Com evidências suficientes no
caderninho, o delegado Hermes consegue, com o Tribunal do Juri, em julho, a prisão do militar, guardado no
Regimento de Cavalaria, na Avenida Pedro II.
Pouco
depois, descobre-se que Bandeira tinha uma amante, a cearense Miriam, que lhe
daria um filho. Marina, enciumada, passa
a telefonar para o quartel, prometendo ao tenente desmentir na polícia tudo o
que dissera contra ele, o que cumpre.
3 - Dois anos se passam, Marina
desentende-se com Plínio Lima e passa a ouvir Romeiro Neto, que aconselha
viajar a Nova York, nos Estados Unidos, a fim de livrar-se do assédio dos
repórteres. O caso já ganhara repercussão internacional, tendo as fotos dela e
do tenente já sido divulgadas, inclusive pela famosíssima revista
norte-americana “Time”.
Enfim, o julgamento do tenente é marcado, para
26 de março de 1954. Os três milhões de habitantes do Rio de Janeiro só falavam
do caso. Por não atender convocação judicial, na véspera, Marina é presa e
levada para a Penitenciária de Mulheres, em Bangu. Para a sessão do júri, chegou às 11h30, agitada,
usando óculos escuros. Escoltado por um pelotão da polícia da Aeronáutica,
Bandeira chegou 20 minutos depois dela.
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Foto Divulgação de cena do filme "Crime no Sacopã" |
Eram 13 horas, quando o juiz Claudino de
Oliveira Cruz abriu a sessão. Do lado de fora do Palácio da Justiça, a
afluência popular era imensa, obrigando o trânsito a ser desviado para ruas
laterais. Lá dentro, emissoras de rádio prendiam os seus ouvintes e batalhões
de repórteres e fotógrafos disputavam espaços. Bandeira sentou-se no banco dos
réus, entre dois tenentes-aviadores. A leitura dos autos durou oito horas. Após
um intervalo para o jantar, a inquirição das testemunhas começou às 22 horas. A grande
atração da novela, Marina, a pivô do crime, arrolada pela acusação, fora
dispensada de depor, mas obrigada a ficar em uma sala reservada até o final do
júri.
4 - A inquirição rolou até as 3h30 da
madrugada. Às 04h, o juiz passou a
palavra ao promotor Emerson Lima, cuja convicção de culpabilidade do réu foi
reafirmada pelo assistente de acusação,
Milton Sales. Por ter o Lima passado mal, subitamente, os trabalhos
foram retomados às 9h30, tendo a acusação pedido de 6 a 20 anos de prisão para
Bandeira. Às 11h, os advogados de defesa, Romeiro Neto e José Bonifácio,
entraram em ação, tentando invalidar todas as declarações de Marina à policia.
Alegaram que a ameaça de estrangulamento
à moça fora “brincadeira” e que o cliente não fora acusado nos autor do
processo, mas só caluniado.
Não adiantou. Às 13h10, os jurados foram
para uma sala secreta e, às 1520, voltaram a plenário, para o juiz ler a sentença
condenando Bandeira a 15 anos de prisão.
Em 1972, o julgamento
foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal, acusando falhas no processo.
Bandeira foi reintegrado à Aeronáutica, em 1974, e reformado como capitão.
Viveu até agosto de 2006, sem conseguir ser inocentado pela Justiça.
Quanto a Marina, após a condenação de
Bandeira, ela desapareceu, deixando a história
de que teria se casado com um comerciante italiano e passado a usar um outro
nome.
OBS: o caso Sacopã foi levado para o cinema, em 1963, filmado com direção de Roberto Pires. Entre outros, foram atores e atrizes: Alberto Jorge Franco Bandeira, Agildo Ribeiro, Jorge Dória, Iris Bruzzi, Maria Pompeu e Yolanda Cardoso.
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