Vasco

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sábado, 4 de abril de 2020

O VENENO DO ESCORPIÃO - JORNAL DA BAHIA, O PADRE E O BATEDOR DE SINO

Fotos de calendário feito em Barreiras por volta da década-1980 

Entre as fases-1950, 60 e inícios da 70,  o Padre Armindo e o batedor de sino e cantor de terços e novenas Nezinho eram duas das figuras mais tradicionais de Barreiras, a principal cidade da Bahia-Oeste, por ser importante rota de ligação aérea Norte-Sudeste do país. Também, pelo seu peso no comércio pelo Rio Grande, afluente da margem esquerda do São Francisco.
Padre Armindo Magalhães Frade
 O primeiro, chegado de Bom  Jesus da Lapa, como vigário colaborador, ao se instalar na terra, a igreja matriz de São João Batista já estava construída. A cidade saíra da década-1940 ainda pequena, mas, mesmo assim, ele via boas possibilidades de difundir a fé cristã, que já era grande por ali.
 Montado em lombo de burro - no pescoço do qual instalava um chocalho, pra avisar que estava chegando -, o Padre Armindo de Magalhães Frade descia do animal usando uma pesada batina preta, após enfrentar o tremendo calorzão de uma região muito quente. 
Nada, porém, impedia as suas desobrigas por municípios e distritos  próximos de Barreiras, principalmente depois de assumir o comando da paróquia. Em Angical, por exemplo, depois de batizados e casamentos de brejeiros que usavam paletós emprestados, muitos batendo nos joelhos, além de celebrar missas em latim, sem o povo entender nada, ele subia serras e repetia tudo pelos arrabaldes, fizesse sol ou chuva.
 Missa com o Padre Armindo era garantia de cheiro de incenso saindo de um turíbio cheio de brasas providenciadas pelo sacristão. Quando havia primeira comunhão e ele entrava para o confessionário, a meninada achava que as suas estrepolias não eram pecados e inventava histórias que ele duvidava. Então, punia meninos e meninas encapetados com uma pena imutável: rezar três Pai Nossos e três Ave Marias, ajoelhados.        
 Filho de família em que os seus oito irmãos preferiram fazer política partidária, o Padre Armindo não se cansava de contar ter feito o primeiro casamento de um prefeito de Barreiras, o Coronel (de patente da Guarda Nacional), Abílio Wolney, com a Dona Goiana.
 Chegada a década-1970, com Barreiras crescendo muito, por conta da produção de soja e da pavimentação asfáltica  da estrada BR-20, ligando-a a Salvador e a Brasília, o Vaticano aposentou o Padre Armindo,  tornou a cidade sede de bispado e, para lá, enviou  padres e freiras polonesas, holandesas e austríacas. Mesmo sofrendo com a decisão da Santa Sé, ele ficou pela cidade. Passado dos 85 de idade, certa noite, como fazia, diariamente, na hora de trocar dois dedos de prosa com Deus, acendeu uma vela, iniciou o papo com o Homem Lá de Cima, mas cochilou e dormiu sono profundo. A vela caiu sobre a sua cama, formou labaredas incontroláveis e o Padre Armindo  foi terminar a sua conversa com Deus, in  loco, lá no Céu.
 Que sofrimento foi aquilo para o seu fiel servidor Nezinho que, desde os sete de idade, já badalava os sinos da Igreja de São João Batista.
 Nascido com problemas que impediam a sua movimentação, o garoto, batizado pelo Padre Armindo, ia à igreja nas costas dos irmãos. Arranjou, no entanto, um jeito de se arrastar e, daquele jeito, chegar ao pé do altar.
 Invariavelmente, quem fosse à porta da matriz católica barreirense,  encontraria Manoel Alves da Rocha sem camisa, descalço e usando bermuda. Se fosse, porém, pra cantar nos coros de novenas e missas, ele estaria supimpa. Em casa, onde tinha um pequeno altar para fazer as suas orações, até dava um desconto, sem rigor na indumentária.
Amigo de todas as beatas e fiéis ao catolicismo do lugar, Nezinho dizia: 
 - Religião boa é esta nossa, pois a gente pinta e borda. E garantia:
 Ninguém canta mais alto e com mais fé e amor a Deus do que eu – com certeza, está Lá em Cima, ajudando o Padre Armindo nesse ofício.         

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