Vasco

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domingo, 21 de junho de 2020

LENDAS VSC – O VASCO VALE UMA MISSA

Foto enviada pelo kikenauta Jorge Eduardo, reproduzida do
álbum de recortes de jornais e revistas do vascainíssimo
Eliseu Fernandes - agradecimento.
 O Rei Henrique IV, fundador da francesa dinastia Bourbon, adorava uma sacanagem. Quem quisesse lhe agradar era contar quem estava traçando quem, como rolava o barato. Mas se amarrava no seu povo, que adorava as suas metáforas, como "uma galinha em cada sopa".
Por professar a religião protestante, Henrique IV teve muitos perrepes pra subir ao trono, em 1584. A Santa Liga não o aceitava. No entanto, 1589, após ele meter a porrada nos católicos, finalmente, chegou lá. Quer dizer: quase chegou, pois ainda teve de passar nove temporadas guerreando com a Liga.
Henrique IV, porém, era malandro. Vendo que perdia tempo, dinheiro e energia naquela guerra abestalhada, ele achou melhor dar um nó na oposição. Falou pra catolicada eu pretendia mandar o protestantismo praquele lugar e que iria aderir à Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana. Sapecou nos oritimbós dos babacas:
- Paris vale uma missa! – e foi coroado durante culto solene, pra continuar, por debaixo dos panos, muito mais protestante do que católico.
 Um século antes, quem acontecia na Europa era o português e almirante Vasco da Gama,  descobridor do caminho marítimo para as Índias, grande sonho dos países do Velho Mundo. Pouco depois, quando Pedro Álvares Cabral preparava-se para repetir a sua rota, ele chamou o fidalgo no canto e passou-lhe algumas sugestões, com as quais o Cabral achou o Brasil. Tudo nos conformes, como mandava o Tratado de Tordesilhas. Tanto que a Espanha, com quem Portugal dividira o planeta - sob os auspícios do Papa, embora a França não reconhecesse a partilha -, nem reclamou.
 Dos mares para os bares, mais quatro séculos se passaram e alguns carinhas se reuniram num boteco do Rio de Janeiro, desceram um bom vinho por dentro do pescoço e decidiram prestar uma homenagem ao almirante Vasco. E prestaram, no 21 de agosto de 1898.
A rapaziada começou saindo no braço. Remou pra carvalho. De repente, pensou em chutar uma esfera de couro. Como a rapaziada era muito democrática, epidermicamente, convidou uma galeira moreneira pra brincadeira, do que não gostaram umas gentes da elite carioca.
 Não adiantou achar ruim. O Vasco da Gama encarou e venceu preconceitos, chegou ao grupo principal do balípodo da terra e, com viradas de placar, no segundo tempo, em 1923, deixou pra trás todos os que lhe sacaneavam. De quebra, ganhou o seu primeiro título de campeão dentro das quatro linhas – em 1906, havia sido o primeiro de todos os títulos que viriam, no remo.
 Rola a bola e, entre 1945 a 1952, o Vasco da Gama colocou o Expresso da Vitória nos trilhos e viajou com uma das mais competentes tripulações do planeta. Papou tudo. Mas não venceu todos. Em 1959, por exemplo, após exceder em brilho pela temporada anterior - campeão carioca e do Torneio Rio-São Paulo -, o que então havia de mais forte pelo seu caminho, andou derrapando. Por conta de um giro desorganizado.

 Enquanto isso, o vascainíssimo torcedor carioca Mairo Prado, que estava fazendo um curso de extensão, na Espanha, andava entusiasmado com as notícias que lia nos jornais de Madri, sobre o sucesso do seu time, antes da derrapada. Por causa dos 4 x 1 de um jogo, de dias antes, ele decidiu pegar um trem e dar um chego na capital francesa, onde o Vasco da Gama estrearia em um torneio internacional, enfrentando um time alemão.
Porrá, Parrí! Sacanagem! O Vasco vale uma torre.
 Arte: Renato Aparecida
 Mairo Prado chegou ao seu destino a menos de duas horas do início da partida. Da estação ferroviária, seguiu direto para o Parc des Princese e foi um dos 15 mil pagantes.
 Sentado nas arquibancadas mais próximas do campo, ele aplaudiu Barbosa, Paulinho de Almeida, Bellini, Laerte, Russo, Coronel, Sabará, Almir (Delém), Roberto Pinto (Pacoti), Rubens e Pinga, quando estes entravam no gramado.
 Animado, Mairo Prado enfiou dois dedos sob a língua e assoviou, forte para o treinador Francisco de Souza Ferreira, o Gradim, que localizou de onde partira o som e fez-lhe o sinal de positivo, com o dedão da mão direita.
 Mairo Prado, de tão animado que estava para comemorar mais uma vitória vascaína, aplaudiu até o apito inicial do árbitro Jacques Devillers. Acostumado com os tipos de comemorações de gols no Maracanã, quando Sabará abriu o placar, aos seis minutos, ele pulou, vibrou, extrapolou-se, em alegria.
 Talvez, cansado por seguidas viagens, durante 21 dias, o Vasco da Gama só conseguiu segurar a vantagem até os 12 minutos do segundo tempo. O Time da Virada levou a virada, cinco minutos depois, caindo, por 1 x 2, e ficando pra decidir a medalha de bronze, com o italiano Milan, no qual mandou 2 x 1.
Aquela excursão vascaína fora uma bagunça. Começara pela Suécia (18.05.1959), com 5 x 1 Oddevold; depois,  Dinamarca na rota (20.05) e  2 x 1 Combinado Staevnet-Alliancen; voltou à Suécia (22.05) e mandou 11 x 0 Östersund; em seguida, o time visitou a Finlândia (26.05) e ficou  no 1 x 1 Helsinque-Alliansen; voltou à Suécia e deixou (28.05)  4 x 1 Nybro-SUE. Nesse ponto, pintou o auge da desorganização. A rapaziada ficou por 12 dias parada, em Paris, sem tem contra quem jogar. Foi por ali que arrumaram a participação vascaína em um torneio parisiense. Na estreias (09.06), com a rapaziada gordinha, sem fazer treinamentos físicos há quase duas semanas, aconteceu o apagão diante do alemão Fortuna Düsseldorf.
O giro terminou com 5 x 4 Atlético de Madrid (14.06) e 1 x 2 Bétis (21.06), ambos na Espanha. Mesmo com o prestígio do zagueiro Bellini, o capitão da Seleção Brasileira campeã da Copa do Mundo da Suécia-1958 e a sua maior atração, o Vasco da Gama foi um joguete nas mãos de empresários. Enquanto Real Madrid cobrava U$ 30 mil dólares por exibição, os caras pagavam menos de U$ 3 mil ao Almirante, que era o campeão carioca e tinha um dos melhores times do mundo.
 Desolado pelo insucesso do Vasco da Gama no dia em que fora torcer pela sua moçada, o fanático torcedor Mairo Prado não teve saco pra ficar mais um dia e conhecer os principais pontos da capital francesa. Voltou para a Espanha. Perto da estação, viu uma igreja aberta e gente entrando. Como só embarcaria dentro de uma hora e meia, mesmo cansado, entrou no templo e participou do que rolava. O Vasco valia uma missa.
   

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