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Reprodução de capa de livro |
Em 1918, o mundo saía da I Guerra Mundial. No
Brasil, o presidente e mineiro Wenceslau Braz tentava recuperar, economicamente,
o país. Quando chegou o eleitoral primeiro de março, os paulistas emplacaram
Rodrigues Alves – bom ministro da Fazenda em momentos difíceis –, mas a saúde frágil deste, aliada a uma matadora
gripe espanhola, o levou a ser empossado mas como o figurante do mundo da
“turma lá de cima”.
Pior
para o Brasil, pois vice-presidente eleito, o mineiro Delfim Moreira, não tinha
o menor tesão por negócios de Estado e levou o país para 253 dias de apatia –
passou o empego para o paraibano Epitácio Pessoa.
Por
aquele tempo, o sertanejo era miserável e faminto. De rico, só o seu espírito,
que chamou a atenção de Luís da Câmara Cascudo, rapaz de 20 de idade – chegou a
graduar-se em Direito e a advogar, por cerca de 1.100 dias, tempo suficiente
para sacar que a sua era outra, pesquisar a cultura de sua terra e do seu povo.
Luís
chocou toda a provinciana Natal, pesquisando o que ninguém ligava a menor
importância. Onde já se viu um jovem
inteligente, promissor preocupado
com o catimbó, festas do povão! Por causa daquilo, um dos puxa-sacos do
governador Juvenal Lamartine de Faria o acusou de doido. “Muito preocupado” com as finanças do Rio Grande do Norte, cobrou:
-
Governador, o Estado está pagando um empregado para pesquisar lobisomem! Isso e
uma indignidade para o nosso ensino.
Luís era professor estadual desde 1922 e
tornara-se catedrático defendendo a tese da intencionalidade portuguesas no
descobrimento do Brasil. Antes, havia publicado o livro Alma Patrícia” e
colaborado na pesquisas de “A Mulher na Literatura Brasileira”, o começo do
caminho para escrever mais de 120 livros, mais de dois mil artigos, em jornais
brasileiros e estrangeiros, e prefácios em uma centena de livros.
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O folclorista potiguar que virou dinheiro |
Quem pensasse que Luís da Câmara Cascudo fosse
um sujeito fechadão, enganava-se. Era brincalhão, bem humorado. Por exemplo,
dizia ter medo de ser nomeado ministro da Fazenda, por ser o inimigo número um
da matemática. E que dava graças a Deus por nunca ter aprendido a gramática da
língua portuguesa, pois a via inutilizando
talentos, com exceção de Machado
de Assis, do qual dizia assombrar-se com o livrinho.
O bom humor de Luís foi despontado, também,
quando ele já era reconhecido como grande pesquisador, em todo o planeta, e
presentearam-lhe com o seu busto em praça pública de Natal. Ao ser comunicado,
retrucou:
- Um
busto em praça pública deve ter muitas utilidades, mas eu preferia que vocês me
presenteassem com um piano. Não toco há 10 aos, por não ter um.
Quando
entidades culturais potiguares tentaram convencê-lo a candidatar-se à
Academia Brasileira de Letras-ABL, respondeu:
-
Nada tenho contra a Academia, mas ela fica muito longe de minha casa. Prefiro
ficar por aqui mesmo.
Após lançar o livro “Geografia dos Mitos”, quando
não havia mais ninguém considerando-o maluco, a ABL concedeu-lhe o Prêmio João
Ribeiro”, valendo antigos 50 contos de reis. Luís torrou toda a gana na farra
com um amigo.
Luís da Câmara Cascudo surpreendeu os
repórteres, certa vez, contando que o seu elogiado livro ‘Dicionário de
Folclore” jamais fora projetado. Nascera por acaso. Tinha um caderninho de
notas que facilitavam o seu trabalho e nele anotara tanto que, quando percebeu,
já tinha um trabalho pronto.
Embora
dissesse que não ter saco para apolítica e economia, Luís foi nomeado
deputado estadual potiguar. Avisado, por telefone, pelo governador que se
recusara a demiti-lo, por pesquisar lobisomen, aceitou ser empossado – em 1º de outubro de 1930. Três dias depois, estava
cassado pela Revolução que levaram Getúlio Vargas ao poder.
Luís
da Câmara Cascudo, que dizia ter sempre acreditado em Deus, fugia de todas as
comemorações litúrgicas. Papo com o Céu, só quando pegava no rosário, atendendo
ao único pedido de sua mãe. Preferia o papo com os contadores de histórias de
lobisomens e dos catimbós que levavam aos guerreiros indígenas o “Espírito da
Força”.