O 24 de agosto de 1704 marcou uma das maiores batalhas já assistidas pelo Mar Mediterrâneo, mais precisamente a costa sul da Andaluzia, perto de Gibraltar. Na boca do canhão, se bateram ingleses e holandeses, contra franceses e espanhóis, todos com quase o mesmo poder de guerra: 60 navios, várias fragatas, 3.600 canhões e quase 23 mil combatentes, dos quais um deles sairia dali como metade de um homem.
O sujeito tinha só 15 de idade e estreava como guerreiro. De cara,
um chumbo levou-lhe metade da perna esquerda que foi amputada enquanto
todo o seu sangue queria ir embora. O médico enfiou-lhe goela adentro um
boa porção de aguardente e colocou-lhe uma faixa de couro por entre os dentes
pra ver se ele aguentava uma serra separar-lhe tíbia e a fíbula – aguentou e
depois, foi submergido em breu fervente pra cortar a hemorragia. Tudo isso em
menos de um minuto.
O garoto chamava-se Blas de Lezo, foi condecorado pelos
reis Felipe V (espanhol) e (Luis XIV, o francês Rei Sol, e passou a se
locomover com uma perna-de-pau. Mesmo assim, não desistiu de combater. Em
agosto de 1705, ajudou o seu rei a defender a cidade de Barcelona, novamente
lutando contra os ingleses, comandando uma pequena embarcação. Cercado por
vários barcos inimigos, ele usou bolas de chumbo aquecidas no forno do seu
navio para incendiar um navio inglês e escapou do cerco no meio de muita
fumaça.
Danado, não? Aos 18 de idade, ele foi feito tenente de navio e, pra
não perder o costume, mais uma vez, combateu ingleses, na francesa Toulon,
onde perdeu o olho esquerdo. Passadas nove temporadas, lá estava ele
comandando um navio de 70 canhões durante a guerra civil espanhola, perdendo ossos e tendões que lhe tiraram os movimentos do antebraço
direito. Com mais aquilo, era visto como sendo um “meio-homem”. Mas não
perdia o sangue de guerreiro.
Tempinho depois, em 1737, Blas Lezo zarpou, com dois navios, mar a fora, como
capitão, para defender Cartagena, ponto-chave da colonização espanhola na
América e que os ingleses queriam capturar. Tomava providências, quando a cidade
recebeu o vice-rei de Nova Granada, Don Sebastián de Eslava y
Lasaga. Imediatamente, informou ao homem sobre as defesas de Cartagena, transmitiu-lhe
as últimas notícias sobre o avanço inglês e pediu reforços, pois contava
com apenas seis navios de guerra e 460 peças de artilharia.
Era 13 de março de 1741, quando 180 navios ingleses abriram fogo contra os espanhóis. Blas de Lezo estava em uma fortalez, defendendo uma entrada da baía, e requisitou ajuda a Eslava, que mandou-lhe apenas 150 homens. Mesmo com os ingleses contando com cerca de mil jamaicanos, foram repelidos pela patota do Blas, que saiu de mais uma com uma das mãos e uma coxa gravemente atingidas por estilhaços de balas.
Os ingleses já cantavam vitória. Só faltava tomar uma fortalezas. Colocaram escadas nas posições mais estratégicas, mas as tais não tinham altura suficiente para o assalto, pois Blas de Lezo havia mandado cavar um fosso em torno da muralha e, de cima, mandou fogo nos inimigos. Os ingleses fugiram, desapareceram no horizonte.
O heroísmo de Blas de Lezo era indiscutível. No entanto, o bispo de Cartagena, Dom Gregorio de Molleda, para bajular o Vice-Rei Sebastián de Eslava, informou ao seu rei que, “mesmo diante das escandalosas revoltas de um certo Blas de Lezo, o enviado da coroa espanhola obtivera brilhante sucesso”. Do que se aproveitou o bajulado para dar ao Blas cores de criminoso: “Que seja castigado por seu comportamento”, escreveu ao rei.
Enquanto um vendaval de acusações chegava até a Espanha e a maior parte da opinião pública aplaudia Don Sebastián de Eslava, elevando-o em gloriosos elogios e honrarias, o verdadeiro glorioso Blas de Lezo y Olavarrieta sofria os efeitos das guerras, após quarenta anos de serviços prestados ao seu rei. Em 7 de setembro de 1741, saiu desta vida, esquecido e abandonado.
Publicado poelo Jornal de Brasília de 04.05.2025 (domiungo) e trazido pra cá pelo Túnel do Tempo. Ver link:
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