O
brasileiro adora criar mitos. Até locutor de TV que só faz ler textos que ele
não escreve, vai pra capa de revistas. Um dos mitos não merecedores nome de rua
e de estátua em praça pública é Ruy Barbosa (1849 a 1923). Sujeito preconceituoso, foi
chamado de “Águia de Haia”, pela megalomania brasileira, por fazer um discurso
bem aplaudido durante a Conferência da Paz, em 1907, na Holanda, quando defendeu a igualdade entre os estados. Mas todas as demais falas da sessão do dia foram aplaudidas. Era protocolar.
Comparado
a baianos de imaginação criativa, como Jorge Amado (1912 a 2001), Anísio Teixeira (1900 a 1971) e Cosme de Farias (1875 a 1972), para citar poucos, Ruy não passa
de um “xuré”, pássaro do tamanho de um
canário e que que ninguém cria. Da mesma forma, ninguém pesquisa a sua obra,
editoras não a relançam e nenhum universitário desenvolve teses de mestrado sobre
ele, que tem um livro chamado “Oração aos Moços”. Quem era advogado de um dos maiores
picaretas que já pintou por estas plagas, o empresário norte-americano Percival
Faquhar (1864 a 1953), poderia ensinar o quê à rapaziada?
Ruy
Barbosa, o primeiro ministro da Fazenda do primeiro governo republicano (iniciado em 1889), foi
demitido, pelo presidente e marechal Deodoro da Fonseca (1827 a 1892), por não comparecer à reunião na qual seria analisado um empréstimo
ao Rio Grande do Sul. Enviou uma carta com o seu voto, inaceitável
para o homem que derrubou o Império. E o pior: antes de ser demitido, Ruy tornou-se o pai da inflação no Brasil, sobrando, ainda, para o segundo
governo da República, do também marechal Floriano Peixoto (1839 a 1895).
Em
17 de janeiro de 1891, o ministro Ruy Barbosa criou facilidades para a
organização de empresas e autorizou os bancos a emitir papel-moeda sem lastro
em ouro e prata. Resultado: provocou uma tremenda especulação financeira,
inflação galopante e a quebra de grande número de investidores. Ficou com a
reputação, enormemente, manchada, por tentar copiar uma lei protecionistas, de
1862, dos Estados Unidos e que fora tentada, também, pelo seu antecessor, o
monarquista de Afonso Celso de Assis Figueiredo, o Visconde de Ouro Preto (1836 a 1912). Onde estava a
inteligência da “Águia de Haia?” No bico do xuré, certamente, pois o governo republicano perdeu o controle
sobre os papéis emitidos, a circulação de papel-moeda cresceu 75% e os
especuladores roubaram o povo, criando empresas que só existiam no papel.
O ato
do ministro Ruy Barbosa abalou todo o Brasil republicano e quase quadruplicou a
desvalorização da nossa moeda, em relação ao dólar norte-americano. Ruy parecia
não se lembrar que a escravidão acabara pouco tempo antes por aqui e que,
pela maior parte imperial, o povão vivia do escambo, de
favores, da caridades e de esmolas, sem costumes monetários. A sua atuação ministerial valeu-lhe, mais tarde, a derrota para Hermes da Fonseca, quando ele tentou ser presidente da República, em 1910.
PRECONCIETUOSO
– Convidado, em 1916, pelo governo do presidente Venceslau Brás (1868 a 1966) a chefiar a nossa delegação que participaria
dos festejos dos 100 anos da constituição argentina, Ruy Barbosa excedeu.
Recusou-se a embarcar no navio que levaria o selecionado brasileiro de futebol.
Não aceitava misturar-se aos “futeboleiros”. De nada adiantaram os esforços do
chanceler Lauro Müller (1863 a 1926) e do aviador Santos Dumont (1873 a 1932) para ele abandonar tal postura.
Devido
ao deselegante comportamento de quem se achava melhor do que atletas de
futebol, o selecionado teve de embarcar em um trem e passar quatro dias viajando, inclusive,
passando pelas terras que Percival Faquhar arrendara e onde
posseiros que resistiram à expulsão levaram balas mandadas pelo mesmo Exército
que conquistara o respeito do povo, devido a atuação na guerra contra o
Paraguai (1864 a 1870).
Entre os jogadores de futebol que Ruy
desprezou estava um, Marcos de Mendonça (1894) a 1988), o goleiro, filho da elite carioca.
Todo o dinheiro da família do preconceituoso baiano não encheria o bolso de
trás da calça de um membro da família Mendonça. Mais tarde, Marcos – além de jogador
de futebol, foi escritor de livros de história – confirmou, em depoimento ao
Museu da Imagem e do Som, no Rio, aquela atitude de Ruy Barbosa que, enquanto
estava instalado, confortavelmente, em um hotel de Buenos Aires, um dos seus
desprezados, o futebolista Sylvio Lagreca, pulava, heroicamente, sobre um mastro e resgatava a bandeira brasileiro que
pegava fogo. Quem foi mais importante para o Brasil?
Uma
outra marca do preconceito de Ruy Barbosa estava no vocabulário da língua portuguesa.
Inacreditável! Ele criticava Eça de Queiroz (1845 a 1900) por usar palavras francesas,
tais como envelope, detalhe e massacre, incorporadas pelos dicionários
do nosso idioma. Quem era ele, como autor de textos, para condenar José Maria de Eça de Queiroz? Pelo
menos, não teve inteligência para escrever livros aplaudidíssimos – alguns tornaram-se
filmes do cinema e seriados da TV –, como “A Relíquia”, “O Crime do Padre Amaro”
e “O Primo Basílio”. Pois bem! “Orações aos Moços”, nem em sebos da Bahia se
encontra. Ou alguém já viu alguma obra
de Ruy filmada?
Uma pessoa mantendo preconceitos contra estrangeirismos
em seu idioma, dificilmente, se entenderia com os seus interlocutores no mundo
atual. Será que Ruy Barbosa não sabia que a chegada de vocábulos a outros idiomas
sempre se deu pelas migrações de pessoas e a circulação de componentes
culturais? Entre os séculos 13 e 15, os responsáveis foram os invasores mouros,
na Península Ibérica. Nos 14 a 17, a vez foi de palavras usadas na arte e na arquitetura italiana, na fase chamada por “Renascimento”. No 19 e nas primeiras
décadas do 20, no tempo de Ruy, era a França quem cedia palavras ao português.
Hoje, é a linguagem norte-americana dos computadores.
Proteger o idioma nacional de estrangeirismos
está na história como atitude de ditadores. Adolf Hitler (1889 a 1945), na Alemanha nazista, Benito Mussolini (1883 a 1945) na Itália fascista e, mais recentemente, Mahmoud Ahmadinejad, no Iran, fizeram isso. Em 1994, na França, o ministro
Jacques Toubon fez o mesmo, e a lei foi até sancionada pelo presidente François
Miterrand. Mas terminou ridicularizada pelo povo, porque vários artigos eram
inconstitucionais. No Brasil, o autor da ideia enviada à Comissão de
Constituição e Justiça da Câmara foi o então deputado Aldo Rebelo, do Partido
Comunista e que foi ministro do Esporte, nomeado pelo aliado Partido dos Trabalhadores-PT.
Dizia o escritor Antônio Cândido – autor do
cinematográfico “O Coronel e o Lobisomen” e membro da Academia Brasileira de
Letras – que a língua deve ser aquela que o povo fala. E, hoje, não há como barrar o rumo do idioma na
direção do que é falada pelas ruas. O estrangeirismo enriquece o léxico. Nacionalismo
linguístico é parvoíce, palavra que está no Novo Testamento e
que, no idioma grego, significava insensatez – menos para Ruy Barbosa, o PT e o Partido
Comunista.