Vasco

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domingo, 2 de outubro de 2011

LENDAS DA COLINA - FRANGARELE

  O campeonato de futebol da Liga Municipal de Anandera-1964 despertava muitas expectativas, sobretudo porque todos os times contavam com grandes goleiros, verdadeiros paredões. Motivo que fazia, nos bolões, o placar mais apostado ser o insosso 0 x 0. Só não se esperava aquele marcador no caso de o Vasco da Grama adentrar ao gramado tendo por arqueiro Frangarele. Mas, como ele era o reserva do reserva, dificilmente, o seu treinador o escalaria.

 Por ser Anandera cidade onde só entravam as rádios Globo e Nacional, do Rio de Janeiro, seu povo vivia ligado na vida carioca, razão de os times filiados à Limuana (como era chamado a Liga) serem Vasco da Gama, Flamengo, Fluminense, Botafogo, América, Bangu. Bonsucesso, Madureira, Olaria, Campo Grande e Canto do Rio. Total futecarioquice!

 Desses times citados acima, o primeiro nunca era chamado pelo seu nome de registro na Limuana, mas por Vasco das Gramas, caçoada da torcida pelo fato de o seu comandante ser o português Vasco D´Alentejo, comerciante de gramas para jardins, quintais, praças públicas, etc. Por conta do seu ar bonachão de todo sujeitos meio-gordinho, ele atendeu ao pedido do seu ponta-de-lança Zé do Hermes e contratou um motorista colega de trabalho como goleiro – jogavam juntos com o carinha no gol durante os bábas na Comissão do Vale do São Francisco.

                     Reserva do reserva virou maior ídolo do time 

Para a torcida do Vasco das Gramas, a contratação do goleiro amigo do artilheiro do time não passava de mera formalidade agradatícia da parte de Seu D´Alentejo, já que o carinha jamais jogaria, diante da concorrência de dois espetaculares guarda-valas, Caeitino e Tadiquinho.

 Rola a bola e, diante do Olaria, no primeiro turno, o titular Caetino, depois de pegar tudo, a um minuto do final da pugna, falhou, feiaço, aço, aço! Em falta cobrada, das proximidades da sua grande área, ele defendeu a pelota, mas esta escapou-lhe dos dedos e foi para no fundo da rede. Frangaçacismo! Mas, como tinha créditos junto à torcida, foi perdoado.

 No jogo seguinte, novamente pegando tudo, e, novamente, pelos finalmentes da partida - diante do Botafogo -, durante cruzmaento de bola para a área vascogramense, o ponta-direita botafoguense, malandramente, segurou o zagueiro central vascaineiro pela camisa. Esperando que o juiz marcasse a falta, o sossegado Caetino ficou na dele. Quando viu que nenhum apito ouviria, saiu, estabanado, de sua cidadela para tentar a defesa. Foi mal na bola que tocou em seus dedos e se ofereceu para um atacante alvinegro estufar a rede – ainda mereceu perdão.

 Veio o terceiro jogo – contra o São Cristóvão. Lá pelas metades do segundo tempo, tantas, falta contra o Vasco, que vencia, por 1 x 0. A infração seria cobrada a três metros de distância da grande área. Ao ver quem iria cobrá-la, o incrédulo Caitino não botou a menor fé no chutador, pois o mesmo, dificilmente, fazia aquilo. E o fez muito bem, imprimindo efeito na viagem da pelota, que escapou das mãos dele e parou nos pés de um atacante são-critoveiro, que não o perdoou, balançou a roseira – com quatro falhas seguidas, Caetino, ainda, seguiu prestigiado pelo seu treinador e a sua torcida. 

             Os dois goleiros pareceram ter combinado frangadas

 Próximo jogo, contra o Canto do Rio. O Vasco das Gramas mandava na partidas, sufocava o adversário. Em sua primeira bobeada, o time canteiro cruzou bola sobre a área vascaineira. Caetino calculou mal a saída para a interceptação da pelota que foi parar na cuca de um atacante do time do santo, que o deixou quase chorando, por conta de tanta raiva pela falha. Pra piorar, minutos depois, ele saiu de campo contundido, abrido perspectivas para Tadiquinho ganhar a sua vaga na partida que viria pela frente – e ganhou.

 O jogo estava quentíssimo, com o Vasco das Gramas mandando aquela brasa, mora? De repente, um atacante adversário entrou com bola dominada pelo lado direito da área vascaineira e chutou fraco. Tadiquinho, no entanto, saltou atrasado para detê-la e deixou-a passar por debaixo do seu corpo, para senti-la raspando em uma de suas chuteiras a caminho da rede. Pelo segundo tempo, novamente, ele falhou. Ao ver um adversário receber a bola em boas condições de tentar o gol, ele precipitou-se na saída do arco, não percebendo que um companheiro chegava e poderia combater o chegante, que o encobriu. Se tivesse ficado debaixo das traves...!     

 Naquele jogo, Tadiquinho, também, se machucou. A torcida vascaineira, que já andava cabreira por conta de tantas falhas do seus dois inexpugnáveis goleiros, gelou. Quem iria para o gol na próxima partida? O reserva do reserva, Frangarele. Situação complicada para o Vasco das Gramas: dois goleiros contundidos e sendo, ainda, obrigado a relacionar um juvenil para a reserva do goleiro que jogaria – um motorista que só havia, até ali, jogado bábas com colegas de trabalho, que lhe faziam engolir montanhas de “bípedes”.

 Veio a refrega e Frangarele terminou a primeira etapa sem tocar na bola. A sua defesa esteve magistral. O segundo tempo seguia no mesmo ritmo, até que, aos 38 minutos, um seu colega de meiúca foi ao ataque, chutou a gol e, por ter muita gente em sua frente, o goleiro do rival engoliu aquela. Aos 45, o mesmo companheiro, com bola dominada, atacou e passou a impressão de que iria lançar alguém. Surpreendentemente, chutou fraco para o arco. O goleiro agachou-se para defender o chute, mas a bola escapou-lhe das mãos, passou por entre as suas pernas e foi entrando, lentamente, em direção à rede. Ficou desesperado pelas duas falhas. Diante da cena, Frangarele abandonou a sua área saiu correndo pra consolar o colega. Pediu apoio para o cara às torcidas dos dois clubes e foi atendido, com ele mais aplaudido do que o rival – e passou invicto por todo o jogo, sem a bola visitá-lo.

                               REPRODUÇÃO DA REVISTA DO ESPORTE

         Mapa das pixotadas. É por aqui o rumo do galinheiro da paróquia
                               

 Por causa da sua solidariedade a um goleiro frangueiro, Frangarele passou a semana aplaudido por onde passava. Sem defender um chute, ele virou o maior ídolo do seu time. E voltou à ser o reserva do reserva para a eventualidade de uma escalação na rodada seguinte, quando o Caetino e o Tadiquinho já estavam recuperados de lesões.

 Muito aplaudido pela torcida vascaineira, o goleirão Caetino reapareceu fechando o gol. Fora de ritmo, porém, cometeu falha inaceitável para o seu nível de titular da seleção municipal anaderense. Aos 45 minutos do primeiro tempo, lançamento, do meio do campo, em profundidade, teve bola mais para ele do que para dois atacantes adversários que acompanhavam o lance. Mas ele ficou indeciso sobre sair, ou não, do arco, do que se aproveitou um dos rivais para chegar primeiro na bola e desviá-la dele para o filó. Queixou-se de falta de ritmo, durante o intervalo, no vestiário, e pediu para não voltar para a etapa final. Tadiquinho que, também, reclamava falta de ritmo, igualmente, fez o mesmo pedido.

 O que fazer? Pelo serviço de alto-falantes do estádio, Frangarelle, que estava na casa assistindo à partida, junto com a sua namorada, foi convocado a comparecer ao vestiário – compareceu e entrou em campo.

Aplaudidíssimo, Tadiquinho voltou a contar com defesa inexpugnável que só lhe permitiu cobrar dois tiros de metas, os quais, por sinal, ele os cobrou para a bola sair pela sua linha lateral esquerda, após o meio do campo, o que valeu-lhe os ais calorosos aplausos.

 Nova rodada pintou e Caetino e Tadiquinho, que haviam treinado duro durante a semana, sentiram-se em condições de enfrentar o América. O primeiro foi o escalado. No segundo tempo, entrou o reserva, segundo o treinador, para ambos ganharem ritmo. E cada um levou um gol, incrivelmente, iguais: chutes fracos, de fora da área, com bola passando por debaixo dos seus corpos.

           "A nega tá lá dentro", diziam os narradores da época

 A mesma postura foi adotada pelo técnico no novo jogo: cada goleiro jogando um tempo. Resultado: repeteco de falhas. Levaram gol por saírem atrasado no lance, vendo adversário marcar gol por leve toque fatal na bola. Mesmo assim, o homem insistiu no revezamento no jogo seguinte. Então! Pareceu que os dois goleiros haviam combinado falhas iguais. Em respectivos lance aéreo sobre a sua área, eles esperaram que indecisos zagueiros resolvessem tudo. Resolveram, sim, atacantes rivais que os encobriram com os mais do que manjados toque leves sobre os goleiros.  

Daquela vez, a torcia do Vasco das Gramas esqueceu-se dos velhos e grandes serviços prestados pelos dois goleirões e passou a pedir, em coro: “Frangarele! Frangarele!”

 O treinador e Seu D´Alentejo, porém, não permitiram que Caetino e Tadiquinho fossem queimados, pois o Vasco das Gramas tinha muita gordura pra queimar até o final do campeonato. Na última rodada, no entanto, não teve jeito. Ante tantas falhas dos dois cobrões das camisa 1 vascaineira, a torcida fez passeatas, levando faixas e cartazes pedindo a escalação de Frangarele – e foi atendida.

 Entra o Vasco das Gramas em campo, para decidir o título municipal ananderensee, com o seu goleiro reserva do reserva escalado. Do outro lado do campo, por adversário, o Flamengo. Primeiro tempo duríssimo, equilibradíssimo, com a zaga da moçada do Seu D´Alentejo, mais uma vez, não deixando o seu goleiro tocar na pelota. Mais duro, ainda, foi o segundo tempo. Tudo indicava que o título seria decidido na prorrogação, ou em disputa por pênaltis -  foi para a prorrogação, quando a noite já escurecia Anandera.

 No minuto final do match, o Vasco das Gramas atacou e cruzou bola sobre a área flamenguista. Ao sair para tentar fazer a defesa, o goleiro rubro-negro teve as suas vistas atrapalhada pelos refletores. Não viu  maricota e nem adversário. Só escutou a torcida do rival gritando goooolll! Frangarele, mais uma vez, foi consolá-lo. Ouviu a torcida gritar: “Frangarele! Frangarele!” -justa homenagem ao goleiro frangueiro nas peladas do seu trabalho (onde ganhara o apelido) e que passara invicto pelo Campeonato Municipal.

 Com a grana que ganhou, pela premiação do campeão, Frangarele decidiu comprar uma chácara lhe oferecida por um amigo que garantia boa renda mensal. Pensou, pensou e intuiu que, como goleiro, nem a bola lhe visitava. Então, se a chácara do seu amigo vivia repleta de fregueses, bom negócio. Pediu demissão no emprego em que ganhava pouco, comprou-a a chácara e foi criar frangos.   

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