O campeonato de futebol da Liga Municipal de Anandera-1964 despertava muitas expectativas, sobretudo porque todos os times contavam com grandes goleiros, verdadeiros paredões. Motivo que fazia, nos bolões, o placar mais apostado ser o insosso 0 x 0. Só não se esperava aquele marcador no caso de o Vasco da Grama adentrar ao gramado tendo por arqueiro Frangarele. Mas, como ele era o reserva do reserva, dificilmente, o seu treinador o escalaria.
Por ser Anandera cidade onde só entravam as
rádios Globo e Nacional, do Rio de Janeiro, seu povo vivia ligado na vida
carioca, razão de os times filiados à Limuana
(como era chamado a Liga) serem Vasco da Gama, Flamengo, Fluminense,
Botafogo, América, Bangu. Bonsucesso, Madureira, Olaria, Campo Grande e Canto
do Rio. Total futecarioquice!
Desses times citados acima, o primeiro nunca
era chamado pelo seu nome de registro na Limuana,
mas por Vasco das Gramas, caçoada da torcida pelo fato de o seu comandante ser
o português Vasco D´Alentejo, comerciante de gramas para jardins, quintais, praças
públicas, etc. Por conta do seu ar bonachão de todo sujeitos meio-gordinho, ele
atendeu ao pedido do seu ponta-de-lança Zé do Hermes e contratou um motorista
colega de trabalho como goleiro – jogavam juntos com o carinha no gol durante
os bábas na Comissão do Vale do São
Francisco.
Reserva do reserva virou maior ídolo do time
Para
a torcida do Vasco das Gramas, a contratação do goleiro amigo do artilheiro do
time não passava de mera formalidade agradatícia
da parte de Seu D´Alentejo, já que o carinha jamais jogaria, diante da
concorrência de dois espetaculares guarda-valas,
Caeitino e Tadiquinho.
Rola a bola e, diante do Olaria, no primeiro
turno, o titular Caetino, depois de pegar tudo, a um minuto do final da pugna,
falhou, feiaço, aço, aço! Em falta
cobrada, das proximidades da sua grande área, ele defendeu a pelota, mas esta
escapou-lhe dos dedos e foi para no fundo da rede. Frangaçacismo! Mas, como tinha créditos junto à torcida, foi
perdoado.
No jogo seguinte, novamente pegando tudo, e,
novamente, pelos finalmentes da partida - diante do Botafogo -, durante
cruzmaento de bola para a área vascogramense,
o ponta-direita botafoguense, malandramente, segurou o zagueiro central vascaineiro pela camisa. Esperando que o
juiz marcasse a falta, o sossegado Caetino ficou na dele. Quando viu que nenhum
apito ouviria, saiu, estabanado, de sua cidadela para tentar a defesa. Foi mal
na bola que tocou em seus dedos e se ofereceu para um atacante alvinegro
estufar a rede – ainda mereceu perdão.
Veio o terceiro jogo – contra o São Cristóvão.
Lá pelas metades do segundo tempo, tantas, falta contra o Vasco, que vencia,
por 1 x 0. A infração seria cobrada a três metros de distância da grande área.
Ao ver quem iria cobrá-la, o incrédulo Caitino não botou a menor fé no
chutador, pois o mesmo, dificilmente, fazia aquilo. E o fez muito bem,
imprimindo efeito na viagem da pelota, que escapou das mãos dele e parou nos
pés de um atacante são-critoveiro, que
não o perdoou, balançou a roseira – com quatro falhas seguidas, Caetino, ainda,
seguiu prestigiado pelo seu treinador e a sua torcida.
Os dois goleiros pareceram ter combinado frangadas
Próximo jogo, contra o Canto do Rio. O Vasco
das Gramas mandava na partidas, sufocava o adversário. Em sua primeira bobeada,
o time canteiro cruzou bola sobre a área vascaineira.
Caetino calculou mal a saída para a interceptação da pelota que foi parar na
cuca de um atacante do time do santo,
que o deixou quase chorando, por conta de tanta raiva pela falha. Pra piorar,
minutos depois, ele saiu de campo contundido, abrido perspectivas para
Tadiquinho ganhar a sua vaga na partida que viria pela frente – e ganhou.
O jogo estava quentíssimo, com o Vasco das
Gramas mandando aquela brasa, mora? De repente, um atacante adversário entrou
com bola dominada pelo lado direito da área vascaineira
e chutou fraco. Tadiquinho, no entanto, saltou atrasado para detê-la e deixou-a
passar por debaixo do seu corpo, para senti-la raspando em uma de suas chuteiras
a caminho da rede. Pelo segundo tempo, novamente, ele falhou. Ao ver um
adversário receber a bola em boas condições de tentar o gol, ele precipitou-se
na saída do arco, não percebendo que um companheiro chegava e poderia combater
o chegante, que o encobriu. Se tivesse ficado debaixo das traves...!
Naquele jogo, Tadiquinho, também, se machucou.
A torcida vascaineira, que já andava
cabreira por conta de tantas falhas do seus dois inexpugnáveis goleiros, gelou.
Quem iria para o gol na próxima partida? O reserva do reserva, Frangarele.
Situação complicada para o Vasco das Gramas: dois goleiros contundidos e sendo,
ainda, obrigado a relacionar um juvenil para a reserva do goleiro que jogaria –
um motorista que só havia, até ali, jogado bábas
com colegas de trabalho, que lhe faziam engolir montanhas de “bípedes”.
Veio a refrega e Frangarele terminou a
primeira etapa sem tocar na bola. A sua defesa esteve magistral. O segundo
tempo seguia no mesmo ritmo, até que, aos 38 minutos, um seu colega de meiúca foi ao ataque, chutou a gol e,
por ter muita gente em sua frente, o goleiro do rival engoliu aquela. Aos 45, o
mesmo companheiro, com bola dominada, atacou e passou a impressão de que iria
lançar alguém. Surpreendentemente, chutou fraco para o arco. O goleiro
agachou-se para defender o chute, mas a bola escapou-lhe das mãos, passou por
entre as suas pernas e foi entrando, lentamente, em direção à rede. Ficou
desesperado pelas duas falhas. Diante da cena, Frangarele abandonou a sua área saiu correndo pra consolar o colega.
Pediu apoio para o cara às torcidas dos dois clubes e foi atendido, com ele
mais aplaudido do que o rival – e passou invicto por todo o jogo, sem a bola
visitá-lo.
REPRODUÇÃO DA REVISTA DO ESPORTE
Por causa da sua solidariedade a um goleiro frangueiro, Frangarele passou a semana aplaudido por onde passava. Sem defender um chute, ele virou o maior ídolo do seu time. E voltou à ser o reserva do reserva para a eventualidade de uma escalação na rodada seguinte, quando o Caetino e o Tadiquinho já estavam recuperados de lesões.
Muito aplaudido pela torcida vascaineira, o goleirão Caetino
reapareceu fechando o gol. Fora de ritmo, porém, cometeu falha inaceitável para
o seu nível de titular da seleção municipal anaderense. Aos 45 minutos do
primeiro tempo, lançamento, do meio do campo, em profundidade, teve bola mais
para ele do que para dois atacantes adversários que acompanhavam o lance. Mas
ele ficou indeciso sobre sair, ou não, do arco, do que se aproveitou um dos
rivais para chegar primeiro na bola e desviá-la dele para o filó. Queixou-se de
falta de ritmo, durante o intervalo, no vestiário, e pediu para não voltar para
a etapa final. Tadiquinho que, também, reclamava falta de ritmo, igualmente, fez
o mesmo pedido.
O que fazer? Pelo serviço de alto-falantes do
estádio, Frangarelle, que estava na casa assistindo à partida, junto com a sua
namorada, foi convocado a comparecer ao vestiário – compareceu e entrou em
campo.
Aplaudidíssimo, Tadiquinho
voltou a contar com defesa inexpugnável que só lhe permitiu cobrar dois tiros
de metas, os quais, por sinal, ele os cobrou para a bola sair pela sua linha
lateral esquerda, após o meio do campo, o que valeu-lhe os ais calorosos aplausos.
Nova rodada pintou e Caetino e Tadiquinho, que
haviam treinado duro durante a semana, sentiram-se em condições de enfrentar o
América. O primeiro foi o escalado. No segundo tempo, entrou o reserva, segundo
o treinador, para ambos ganharem ritmo. E cada um levou um gol, incrivelmente,
iguais: chutes fracos, de fora da área, com bola passando por debaixo dos seus
corpos.
"A nega tá lá dentro", diziam os narradores da época
A mesma postura foi adotada pelo técnico no
novo jogo: cada goleiro jogando um tempo. Resultado: repeteco de falhas. Levaram gol por saírem atrasado no lance, vendo
adversário marcar gol por leve toque fatal na bola. Mesmo assim, o homem
insistiu no revezamento no jogo seguinte. Então! Pareceu que os dois goleiros
haviam combinado falhas iguais. Em respectivos lance aéreo sobre a sua área,
eles esperaram que indecisos zagueiros resolvessem tudo. Resolveram, sim, atacantes
rivais que os encobriram com os mais do que manjados toque leves sobre os
goleiros.
Daquela vez, a
torcia do Vasco das Gramas esqueceu-se dos velhos e grandes serviços prestados
pelos dois goleirões e passou a
pedir, em coro: “Frangarele! Frangarele!”
O treinador e Seu D´Alentejo, porém, não
permitiram que Caetino e Tadiquinho fossem queimados, pois o Vasco das Gramas
tinha muita gordura pra queimar até o final do campeonato. Na última rodada, no
entanto, não teve jeito. Ante tantas falhas dos dois cobrões das camisa 1 vascaineira, a torcida fez passeatas, levando
faixas e cartazes pedindo a escalação de Frangarele – e foi atendida.
Entra o Vasco das Gramas em campo, para
decidir o título municipal ananderensee, com o seu goleiro reserva do reserva escalado. Do outro lado do campo, por
adversário, o Flamengo. Primeiro tempo duríssimo, equilibradíssimo, com a zaga da
moçada do Seu D´Alentejo, mais uma vez, não deixando o seu goleiro tocar na pelota.
Mais duro, ainda, foi o segundo tempo. Tudo indicava que o título seria
decidido na prorrogação, ou em disputa por pênaltis - foi para a prorrogação, quando a noite já
escurecia Anandera.
No minuto final do match, o Vasco das Gramas atacou e cruzou bola sobre a área flamenguista. Ao sair para tentar fazer a defesa, o goleiro rubro-negro teve as suas vistas atrapalhada pelos refletores. Não viu maricota e nem adversário. Só escutou a torcida do rival gritando goooolll! Frangarele, mais uma vez, foi consolá-lo. Ouviu a torcida gritar: “Frangarele! Frangarele!” -justa homenagem ao goleiro frangueiro nas peladas do seu trabalho (onde ganhara o apelido) e que passara invicto pelo Campeonato Municipal.
Nenhum comentário:
Postar um comentário