Vasco

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sábado, 5 de novembro de 2011

LENDAS DA COLINA - CARIMBO

 Todos os times da Liga Municipal de Futebol de Anandera tinham nomes que brincavam com grandes clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo: Flagrante (Flamenho), Fluzarca (Fluminense), Corante (Corinthians), Palmada (Palmeiras), Tocafogo (Botafogo) e Vasco das Gamas, que tinha tal apelido por ter sido criado e nunca saído do poder do português Vasco D´Alentejo, comerciante do ramo de gramas para jardins. Eles disputavam, durante cada temporada, vários torneios locais e intermunicipais, quase sempre vencidos pelos times da maior cidade da região, Barrila, que concentrava os jogadores mais destacados e os dirigentes mais endinheirados.

 Nas disputas internas de Anandera, ultimamente, o Vasco das Gramas vinha papando quase tudo, sobretudo devido a grande sorte do seu goleiro Edgardo, o “Carimbo”  que, quando a bola passava por ele, carimbava as traves. História começada no dia 8 de abril de 1973, quando o Vasco das Gramas travou batalha duríssima, com o Fluzarca, pelo Torneio Fim de Inverno. O juiz Uracy Sales já olhava para o seu cronômetro, “pra´cabar com o barato”, como a galera falava, quando o camisa nove fluzarqueiro, Carroceria saiu na cara do gol e desferiu um tremendo pancadão. Edgardo voou na direção da pelota, enquanto a torcida do Fluzarca levantava-se para comemorar o gol que não saiu: a bola carimbou o travessão e deixou gravada nele a marca do fabricante. 

Carroceria não capricou muito no chute e consagrou Carimbo

Pronto! Edgardo não só ganhou um apelido, como foi contratado para ser garoto-propaganda de uma fábrica de carimbos, do que muito reclamou o artilheiro Carroceria, por ter sido ele o autor do chute carimbeiro - diziam que o Carroceria “era largo”, pois as bolas pareciam serem apaixonadas por ele que vivia  aninhando-as em uma rede. E ele que reclamasse. O que interessava ao patrocinador era a tamanha sorte do Edgardo, que passara, a seguir, por uma sequência de cinco carimbadas em suas traves, quando ele nada mais poderia fazer para evitar o “balanço do filó”.

maricota foi rolando redondinha até o final de dois turnos e do torneio, quando Vasco das Gramas e Fluzarca chegaram empatados para a decisão, em jogo único. Por ali, porém, rolou um “perrepes”. Edgardo havia saído de campo, na penúltima rodada, com luxação em um dos dedos da mão direita. Não tinha condições de jogar a próxima pugna. O Vasco, então, tentou adiar a final, mas o Fluzarca não concordou. Briga daqui, dali, dacolá, o Vasco ameaçou não comparecer a campo, levando a Prefeitura Municipal de Anandera, patrocinadora da competição, a intervir e ameaçar não pagar os prêmios prometidos aos dois finalistas, caso eles não se entendessem - terminou suspendendo a decisão do Torneio Fim de Inverno.

 Passados uns 20 dias, enquanto não começava o Torneios das Santidades – homenagens a Santo Antônio, São João, São Pedro, os santos de meio de calendário - o goleiro Carimbo recuperou-se, voltou aos treinos e, surpreendentemente, aceitou proposta do Fluzaraca pra trocar de lado - trocou.

REPRODUÇÃO DA REVISTA DO ESPORTE

Nos treinos, bola chutada para dentro das traves, Carimbo catava todas

Chegou-se ao final da temporada, com Vasco e Fluzaraca, novamente, classificados para a decisão de mais um título, daquela vez do Campeonato Municipal. Primeiro jogo, 0 x 0, com Edgardo saindo de campo com luxação no braço direito, sem condições de ir para a finalíssima. Daquela vez, foi a vez do Fluzarca querer o adiamento da contenda que valeria caneco, com o que não concordou, evidentemente, o Vasco das Gramas. E tudo voltou a ser como já o fora em abril. Como ninguém se entendia, na data marcada para um dos dois carregarem o troféu só o juiz e os bandeirinhas compareceram ao gramado. Nem a torcida pintou, ficando a temporada sem um campeão municipal.        

 Rola o tempo e Carimbo, pela fama que pegou, foi jogar na Liga da maior cidade da região, a troco de emprego na municipalidade. Por lá ficou até achar que já seria a hora de pendurar as luvas de goleiro. Já havia ganhos vários títulos, edtava bom demais – e parou com o futebol ligueriro.

 Algum tempo depois, Carimbo levou uma queda e fraturou uma das pernas. Aproveitando de licença médica, sem poder trabalhar na municipalidade de Barrila, ele foi visitar amigos e familiares, em Anandera. Coincidentemente, no primeiro domingo em que estava na cidade, Vasco das Gramas e Fluzara decidiriam a Taça Fim de Verão. Foi ao jogo e recebeu o convite dois times que havia defendido para posar para fotografias com as suas respectivas camisas. Posou, primeiramente, com a do Flu. Quando saía da foto dos vascaínos, descobriram que o goleiro deles ainda não havia aparecido. Recebeu esta proposta de Seu Vasco D´Alentejo:

- Quebra o galho aí pra gente, até o nosso goleiro chegar. Aquilo é um dorminhoco. Não duvido nada se estiver, agora, estirado em uma rede. Srgura aí no gol, mesmo de muletas. A nossa defesa é muito boa, um Muro de Berlim. Não passa nada.

Carimbo foi no papo do velho amigo e, com muleta, foi para a cidadela vascaína. Pra quê? Dada a saída de bola, o Fluzarca atacou, Carroceria foi derrubado na meia-lua da grande área, mas o juiz Uracy Sales viu o lance dentro da grande área. Pênalti. Carimbo ficou parado no meio do gol, esperando ser executado por Carroceria. Atrás de sua cidadela, um sujeito, com um rádio ligado à toda altura, ouvia Vasco x Fluminense, pela Taça Guanabara. Carimbo não conseguia se concentrar na tomada de posição do Carroceria. Só esperava que o cara chutasse a bola para o meio do gol, para ele desviá-la, coma a sua muleta. Momento dramático. Uracy Sales apitou, o sujeito do rádio aumentou mais o sol e Carimbo só ouviu do locutor Waldir Amaral, da Rádio Globo do Rio de Janeiro gritando: “Entrou na área, vai marcar, atirou!....Carimbou a trave!” No mesmo instante, Carroceria carimbava o seu poste transversal. Logo a seguir, Uracy Sales encerrou a contenda.

 Imediatamente, jogadores do Vasco das Gramas e do Fluzarca pegaram o Carimbo, carregaram-no nas costas e fizeram a volta olímpica com ele em torno do gramado, saudado por torcedores das duas equipes. Como o jogo terminar no 0 x 0, os dois times propuseram que a taça fosse dada ao Edgardo, que consideraram o grande vencedor da tarde. De quebra, como ele havia jogado pelos dois finalistas, a Liga promoveu os dois times campeões.

O trepidante Waldir Amaral

Quando saía do estádio, Carimbo topou com o cara do rádio à toda altura ouvindo o repórter Deni Menezes, pela Rádio Globo: “Vasco da Gama e Fluminense jogaram para 52 mil, 121 pagantes, que saem do Maracanã vendo o “oxo” no placar. Aírton Vieria e Morais, o Sansão, apitou e os “dois onze” (times) aturam assim: Vasco da Gama: Andrada; Paulo César Puruca, Miguel, Moisés e Alfinete; Alcir, Zanatta e Ademir; Jorginho Carvoeiro, depois Luís Fumanhu, Dé Aranha e Luís Carlos Tatu, comandados por Mário Travaglini.  O Fluminense, do técnico Zezé Moreira, alinhou: Jorge Vitório; Oliveira, depois Abel, Silveira Coice de Mula, Assis e Toninho; Denílson e Gérson Canhotinha de Ouro; Cafuringa, Dionísio, Manfrini e Lula. 

Por ali, também emocionado pela atuação de Carimbo, que não tocara na bola e fora eleito, sem estar escalado em nenhum dos times, o melhor da partida, o cara que explodia a radiofonia em seus oritimbós girou  o dial, abaixou o som, fez sinal de positivo e pulou pra cima dele, a fim de abraçá-lo. Obrigou-lhe a fazer uma voada sensacional, pra impedir que o rádio do torcedor caísse ao chão e quebrasse. Defesa salvadora feita, o cara do rádio gritou:

- Valeu, Carimbo! – e ligou o rádio, pra ouvir Waldir Amaral dizer que o grande lance da partida Vasco da Gama 0 x 0 Fluminense fora “o carimbo no travessão superior cruzmaltino”. E reouviu o cara do rádio regritar:

-Valeu, Carimbo! 


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