Todos os times da Liga Municipal de Futebol de Anandera tinham nomes que brincavam com grandes clubes do Rio de Janeiro e de São Paulo: Flagrante (Flamenho), Fluzarca (Fluminense), Corante (Corinthians), Palmada (Palmeiras), Tocafogo (Botafogo) e Vasco das Gamas, que tinha tal apelido por ter sido criado e nunca saído do poder do português Vasco D´Alentejo, comerciante do ramo de gramas para jardins. Eles disputavam, durante cada temporada, vários torneios locais e intermunicipais, quase sempre vencidos pelos times da maior cidade da região, Barrila, que concentrava os jogadores mais destacados e os dirigentes mais endinheirados.
Nas disputas internas de Anandera, ultimamente, o Vasco das Gramas vinha papando quase tudo, sobretudo devido a grande sorte do seu goleiro Edgardo, o “Carimbo” que, quando a bola passava por ele, carimbava as traves. História começada no dia 8 de abril de 1973, quando o Vasco das Gramas travou batalha duríssima, com o Fluzarca, pelo Torneio Fim de Inverno. O juiz Uracy Sales já olhava para o seu cronômetro, “pra´cabar com o barato”, como a galera falava, quando o camisa nove fluzarqueiro, Carroceria saiu na cara do gol e desferiu um tremendo pancadão. Edgardo voou na direção da pelota, enquanto a torcida do Fluzarca levantava-se para comemorar o gol que não saiu: a bola carimbou o travessão e deixou gravada nele a marca do fabricante.
Carroceria não capricou muito no chute e consagrou CarimboPronto! Edgardo não só ganhou um apelido, como foi contratado para
ser garoto-propaganda de uma fábrica de carimbos, do que muito reclamou o
artilheiro Carroceria, por ter sido ele o autor do chute carimbeiro - diziam
que o Carroceria “era largo”, pois as bolas pareciam serem apaixonadas
por ele que vivia aninhando-as em uma rede. E ele que reclamasse. O que
interessava ao patrocinador era a tamanha sorte do Edgardo, que passara, a
seguir, por uma sequência de cinco carimbadas em suas traves, quando ele nada
mais poderia fazer para evitar o “balanço do filó”.
A maricota foi rolando redondinha até o final de dois
turnos e do torneio, quando Vasco das Gramas e Fluzarca chegaram empatados para
a decisão, em jogo único. Por ali, porém, rolou um “perrepes”.
Edgardo havia saído de campo, na penúltima rodada, com luxação em um dos dedos
da mão direita. Não tinha condições de jogar a próxima pugna. O Vasco, então,
tentou adiar a final, mas o Fluzarca não concordou. Briga daqui, dali, dacolá,
o Vasco ameaçou não comparecer a campo, levando a Prefeitura Municipal de
Anandera, patrocinadora da competição, a intervir e ameaçar não pagar os
prêmios prometidos aos dois finalistas, caso eles não se entendessem - terminou
suspendendo a decisão do Torneio Fim de Inverno.
Passados uns 20 dias, enquanto não começava o Torneios das
Santidades – homenagens a Santo Antônio, São João, São Pedro, os santos de meio
de calendário - o goleiro Carimbo recuperou-se, voltou aos treinos e,
surpreendentemente, aceitou proposta do Fluzaraca pra trocar de lado - trocou.
Nos treinos, bola chutada para dentro das traves, Carimbo catava todas
Chegou-se ao final da temporada, com Vasco e Fluzaraca, novamente,
classificados para a decisão de mais um título, daquela vez do Campeonato
Municipal. Primeiro jogo, 0 x 0, com Edgardo saindo de campo com luxação no
braço direito, sem condições de ir para a finalíssima. Daquela vez, foi a vez
do Fluzarca querer o adiamento da contenda que valeria caneco, com
o que não concordou, evidentemente, o Vasco das Gramas. E tudo voltou a ser
como já o fora em abril. Como ninguém se entendia, na data marcada para um dos
dois carregarem o troféu só o juiz e os bandeirinhas compareceram ao gramado.
Nem a torcida pintou, ficando a temporada sem um campeão municipal.
Rola o tempo e Carimbo, pela fama que pegou, foi jogar na Liga da
maior cidade da região, a troco de emprego na municipalidade. Por lá ficou até
achar que já seria a hora de pendurar as luvas de goleiro. Já havia ganhos
vários títulos, edtava bom demais – e parou com o futebol ligueriro.
Algum tempo depois, Carimbo levou uma queda e fraturou uma das
pernas. Aproveitando de licença médica, sem poder trabalhar na municipalidade
de Barrila, ele foi visitar amigos e familiares, em Anandera. Coincidentemente,
no primeiro domingo em que estava na cidade, Vasco das Gramas e Fluzara
decidiriam a Taça Fim de Verão. Foi ao jogo e recebeu o convite dois times que
havia defendido para posar para fotografias com as suas respectivas camisas.
Posou, primeiramente, com a do Flu. Quando saía da foto dos vascaínos,
descobriram que o goleiro deles ainda não havia aparecido. Recebeu esta
proposta de Seu Vasco D´Alentejo:
- Quebra o galho aí pra gente, até o nosso goleiro chegar. Aquilo é um
dorminhoco. Não duvido nada se estiver, agora, estirado em uma rede. Srgura aí
no gol, mesmo de muletas. A nossa defesa é muito boa, um Muro de Berlim. Não
passa nada.
Carimbo foi no papo do velho amigo e, com muleta, foi para a cidadela
vascaína. Pra quê? Dada a saída de bola, o Fluzarca atacou, Carroceria foi
derrubado na meia-lua da grande área, mas o juiz Uracy Sales viu o lance dentro
da grande área. Pênalti. Carimbo ficou parado no meio do gol, esperando ser
executado por Carroceria. Atrás de sua cidadela, um sujeito, com um rádio
ligado à toda altura, ouvia Vasco x Fluminense, pela Taça Guanabara. Carimbo
não conseguia se concentrar na tomada de posição do Carroceria. Só esperava que
o cara chutasse a bola para o meio do gol, para ele desviá-la, coma a sua
muleta. Momento dramático. Uracy Sales apitou, o sujeito do rádio aumentou mais
o sol e Carimbo só ouviu do locutor Waldir Amaral, da Rádio Globo do Rio de
Janeiro gritando: “Entrou na área, vai marcar, atirou!....Carimbou a trave!” No
mesmo instante, Carroceria carimbava o seu poste transversal. Logo a seguir,
Uracy Sales encerrou a contenda.
Imediatamente, jogadores do Vasco das Gramas e do Fluzarca pegaram
o Carimbo, carregaram-no nas costas e fizeram a volta olímpica com ele em torno
do gramado, saudado por torcedores das duas equipes. Como o jogo terminar no 0
x 0, os dois times propuseram que a taça fosse dada ao Edgardo, que
consideraram o grande vencedor da tarde. De quebra, como ele havia jogado pelos
dois finalistas, a Liga promoveu os dois times campeões.
Quando saía do estádio, Carimbo topou com o cara do rádio à toda altura
ouvindo o repórter Deni Menezes, pela Rádio Globo: “Vasco da Gama e Fluminense
jogaram para 52 mil, 121 pagantes, que saem do Maracanã vendo o “oxo” no
placar. Aírton Vieria e Morais, o Sansão, apitou e os “dois onze”
(times) aturam assim: Vasco da Gama: Andrada; Paulo César Puruca,
Miguel, Moisés e Alfinete; Alcir, Zanatta e Ademir; Jorginho Carvoeiro,
depois Luís Fumanhu, Dé Aranha e Luís Carlos Tatu,
comandados por Mário Travaglini. O Fluminense, do técnico Zezé Moreira,
alinhou: Jorge Vitório; Oliveira, depois Abel, Silveira Coice de Mula,
Assis e Toninho; Denílson e Gérson Canhotinha de Ouro; Cafuringa,
Dionísio, Manfrini e Lula.
Por ali, também emocionado pela atuação de Carimbo, que não tocara na
bola e fora eleito, sem estar escalado em nenhum dos times, o melhor da
partida, o cara que explodia a radiofonia em seus oritimbós girou o dial,
abaixou o som, fez sinal de positivo e pulou pra cima dele, a fim de abraçá-lo.
Obrigou-lhe a fazer uma voada sensacional, pra impedir que o rádio do torcedor
caísse ao chão e quebrasse. Defesa salvadora feita, o cara do rádio gritou:
- Valeu, Carimbo! – e ligou o rádio, pra ouvir Waldir Amaral dizer que o
grande lance da partida Vasco da Gama 0 x 0 Fluminense fora “o carimbo no
travessão superior cruzmaltino”. E reouviu o cara do
rádio regritar:
-Valeu, Carimbo!
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