Vasco

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domingo, 3 de março de 2019

5 - O DOMINGO É UMA MULHER BONITA - WANDECA, A RAINHA DA JOVEM GUARDA

No começo, cantava bolerões e samba-canção
Mineiro, de São João Nepomuceno, Antônio Salim, descendente de libaneses, viajava pelo Brasil, instalando redes elétricas e fazendo terraplanagens. Numa dessas, deixou a família na casa dos avós de sua mulher, em Vila Isabel, no Rio de Janeiro, e foi para Governador Valadares, onde Odette foi encontra-lo e deu a luz,  no 5 de junho de 1944, ao seu quarto rebento, a menina Wanderléa.
 Pouco depois, o Seu Salim teve uma breve passagem pelo Rio de Janeiro, residindo na Penha. Foi quando Wanderléa cantou mais uma música lhe ensinada ela mãe – Casa de Caboclo - e valeu-lhe convite para cantar na festa junina da escola. Depois, seu pai mudou de emprego de  bairro, para Cordovil, e voltou a Minas Gerais, para trabalhar como transportador de frutas importadas – depois, comprou um frigorífico, em Lavras.
 Com Odette cuidando da casa e das crianças, por ali nasceu a veia musical de Wanderléa, ouvindo a mãe cantar os sucessos do rádio. Aos três de idade, ela subia em caixotes de uvas e soltava a voz. Quando ouvia crianças cantando no programa “Os Curumins”, da Rádio Tamoio, empolgava-se e prometia ser, “quando crescer”, uma cantora. Da varanda de sua casa, a Leinha fazia toda a rua conhecer a sua voz, principalmente cantando “Estrada do bosque”, versão de canção italiana do repertório de Francisco Alves.
 Mas não precisou crescer tanto para Wanderléa ser o que sonhava. Um dia, uma moradora de sua rua, a Dona Nhaná, promoveu uma festa beneficente na casa dela e, entre os “artistas” convidados, estava a Leinha, que agradou tanto ao ponto de receber um novo convite, para cantar em programa infantil da Rádio Difusora, de Lavras.
Leinha não se assustou com o auditório lotado. Subiu em uma cadeirinha, para ficar perto do microfone, e mandou “Caminhemos”, um outro sucesso do Chico Alves, lhe ensinado pela mãe. Depois, vieram convites para se apresentar em programações religiosas, fazendo-lhe ver, aos quatro de idade, que tinha tudo para ser uma estrela da música popular brasileira.

"Meu bem lollipop" foi o grande sucesso desse disco 
 Quando Wanderléa tinha seis de idade, Seu Salim teve uma briga com um irmão – muitos familiares viviam em Lavras. Indignado com o comportamento do sujeito, colocou a família em um trem de ferro e foi para a carioca Vila Isabel. Mas terminou indo morar na Ilha do Governador, onde arrumou emprego, como tratorista de terraplanagens. 
 O Rio de Janeiro era o que de melhor poderia aparecer na vida de uma menina que sonhava ser cantora. Ao tornar-se amiga de rua, de Neucir Cruz, que cantava no programa “Ciranda Mirim” – dirigido por Odilon de Alencar, chefe do Departamento infanto-juvenil da Rádio Mayrink Veiga - aquela a incentivou a procurar o “Vovô Odilon”, que a ouviu a aprovou.
 Wanderléa estava com nove de idade e, até então, o seu repertório destacava clássicos castelhanos, como “Granada” – de Agustín Lara,  boleros hispânicos, lhe ensinados pela Dona Ester, amiga de rua, e tinha o timbre vocal das velhas cantoras da chamada “Era do Rádio”. Anunciada, pelo “Vovô Odilon”, por Wanderléa Salim – como fora registrada -, cantava acompanhada pelo pianista Pedro Bevilacqua.
 A “Ciranda Mirim” foi trampolim para Wanderléa ter a sua primeira chance de cantar na TV. Odilon Aires levou-a para fazer teste com Samuel Rosenberg, que apresentava “Clube do Guri”, na rádio e TV Tupi-RJ. Aprovada e selecionada entre outras candidatas, ela foi representar o Rio de Janeiro no programa ‘Clube do Papai Noel”, da Tupi-SP, apresentado por Hermano Silva, daquela vez, em 1957, com a participação de gente de todo o país.
 Seu Salim até permitia, mas não  gostava aquela história de ter a filha cantando no rádio e na TV. Preferia vê-la se destacando nos estudos. Wanderléa, no entanto, insistia. Depois de aprovada por Homero Silva, passou a cantar nos suburbanos shows do Fã-Clube Mirim, de  Brás de Pina, comandados por Valdomiro Ferreira Júnior, e acompanhada pelos acordeonistas Gélson e Gilson, que tornou-se o famoso tecladista e arranjador  Gilson Peranzzeta.
 Quando o dourado 1958 chegou e o esporte brasileiro brilhou, no Fã-Clube Mirim de Brás de Pina, quem ganhava o título era Wanderléa: “Rainha da Voz”.  Próximo passo? Cantar no programa “A mais bela voz infantil”, da TV Rio. Participou de eliminatórias, chegou à última, cantou o bolerão “Sabrá Dios”, sucesso de Lucho Gatica, composto por Alvaro Carrillo.
Pose diferente, incomum, para capa de disco da época
 Wanderléa ganhou mais uma parada. De quebra, um contrato para ser colega de Cauby Peixoto e de Sílvio Caldas, na gravadora CBS-Columbia Broadcasting System. Era demais para Seu Salim. Pra ela, o “demais” seria gravar músicas infantis. Preferia os bolerões e sambas-canções que estava acostumada. Chegou a ser encaminhada pelo selo para programas da principal emissora do país, a Rádio Nacional, onde seria divulgada como a sua nova contatada. Viu, de perto e pediu autógrafo aos astros e estrelas Ângela Maria, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, etc e até cantou “Cochito”, de Consuelo Velasquez, na versão em português e em dupla com a mais + mais do rádio brasileiro, Emilinha Borba.
 Melhor estrada do que aquela não poderia haver para quem sonhava com a caminhada artística. Só que, pela frente, havia uma cancela chamada mudar o nome de Wanderléa para um sonoridade mais adequada aos ouvidos dos futuros fãs. Seu Salim achou aquilo um desaforo, foi à CBS dizer que ninguém mudaria o nome de sua filha e a proibiu de cantar, deixando o contrato que ela havia ganho hibernando na gravadora.          
Com Roberto e Erasmo, a Wandeca encabeçou capa de almanaque 
  O tempo passava e a Linha ficava um mulherão, de corpo escultural. Terminou o primário, em Cordovil, e foi fazer o ginasial, em Brás de Pina. Lá pelas tantas, pintou chance de dançar uma quadrilha junina, pelo Olaria Atlético Clube, contra o Social Ramos Clube, o dono da quadra. Por usar sapatos “maria mole”, na moda e de solas lias, começou a deslizar na quadra descoberta, quando começou a chover. Então, passou a enrolar, fazendo-se de matuta que escorregava por não saber dançar. Terminou com a irreverência agradando muito aos jurados, entre eles o compositor Lamartine Babo, e levou o Olaria à vitória, com todos acreditando que as suas escorregadas faziam parte da coreografia.
Por ter agradado na quadrilha, o social do clube,  jornalista Walter Rizzo, a convidou para participar da festas das debutantes - que ela não tivera - em outubro. Depois do baile, Rizzo a convidou para novo desafio: participar do Miss Koleston Olaria, patrocinado  por uma marca de tintura de cabelos. E, já que o bravo Seu Salim permitiu, no 1º de abril de l961 ela foi a eleita.
Durante a eliminatória do Miss Koleston em Bangu, o show musical era por conta da orquestra Jaime e Sua Música. Quando o “crooner” Luiz Carlos (futuro Luiz Keller) deu uma descansadinha e a moçada mandou ver uns sambinhas, Wanderléa subiu ao palco, com a faixa de Miss Koleston Olaria no peito e ficou olhando para o apelidado Jaime “Barba de Milho”. Este apontou para o microfone e ela atacou “O amor e a rosa”, sucesso de Elizeth Cardoso, composto por Antônio Maria e Pernambuco. Agradou, a moçada pediu mais, Jaime autorizou e ela cantou “Mulata assanhada”, de Ataulfo Alves e então grande sucesso de Elza Soares. 
Presença obrigatória em capa de revistas
  No dia seguinte, o Barba de Milho faria domingueira no Olaria e Wanderléa esperava receber novo convite para cantar. Mas pintou algo muito mais forte: convite para ser a voz feminina do conjunto. Além de o  cachê ser pequeno, ainda havia a quase certeza de que Seu Salim não permitiria. Como não poderia perder aquela chance, ela desligou-se das eliminatórias do Miss Koleston e, escondido do pai, com a cumplicidade do irmão Wanderley, que assinava no Juizado de Menor como seu responsável, foi nessa e, ao passar por Duque de Caxias, até ganhou elogio do jornalista Kleber Lopes, em Luta Democrática, pelos sambas,  sambas-canções, bolerões, enfim, tudo o que mandou  ver.
Pelo final de 1961, Wanderléa foi assistir, em Cordovil, ao show da caravana do radialista Luís de Carvalho, da Rádio Globo. Gostou do jeito de cantar de um rapaz, lembrando João Gilberto, e foi falar com ele, ao final das apresentações. O cara chamava-se Roberto Carlos.
 Com dois meses de crooner de orquestra, Wanderléa foi, com o seu grupo, ao programa de Paulo Gracindo, na Rádio Nacional. Por lá, topou com o diretor artístico da Colúmbia, o trombonista Astor que, com a sua moçada tocara antes dela. O homem aprovou a sua interpretação e a convidou para juntar-se a ele, comandante de orquestra renomada. Topou, dividiu os vocais com Jorge Silva e aprendeu a cantar, também, jazz.
 Astor gostou do que ouvia e a convocou Wanderléa gravar duas faixas de um LP que a sua orquestra fazia na CBS. As faixas foram engavetadas, mas o contrato da época em que ela tinha 10 de idade foi desengavetado. Com aquilo, o jeito foi abrir o jogo escondido de Seu Salim, que não teve mais jeito de segurar a voz da filha.
Em janeiro de 1962, a CBS armou a gravação do primeiro disco de Wanderléa, um 78 rotações. Impôs-lhe duas canções, a moderninha ”Meu Anjo da Guarda”, do cantor/compositor da casa Rossini Pinto - – já gravada por Cleide Alves, com Renato e Seus Blue Caps - e o blues “Tell me how long”. Ela não gostou. Queria cantar o que cantava com a orquestra de Astor, que a acompanhou nas duas gravações.
Não havia álbum de fã da música da década-1960 que não
 tivesse a sua foto
 Chegado o final daquela temporada, a CBS marcou estúdio para o seu segundo 78 rotações. E, novamente, impôs-lhe duas músicas – Quando calienta el sol e Quero amar – a primeira versão de sucesso do trio Hermanos Rigual e a outra do brasileiro Castro Perret.    
 Mais uma vez, ela não gostou do que gravou. Reclamou e passou vários meses na geladeira. Mas a gravadora já pensava em fazer dela a ocupante do lugar deixado vago por Cely Campello, a rainha da música jovem brasileira, que trocara o sucesso pelo casamento. Também, tê-la, juntamente com Roberto Carlos, um par  de cantores jovens  muito bem divulgados. Mas eles é que teriam de sair pelas rádios divulgando os seus discos. E no que essa história foi dar todos conhecem. Confere?        


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