Vasco

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quinta-feira, 19 de outubro de 2023

O VENENO DO ESCORPIÃO - BRASIL BRANQUELO CONTRA PELE NEGRA

 

Se líderes políticos (proponentes) e de entidade sociais (pressionantes) fizessem uma profunda revisão na história social brasileira, seguramente, muitos logadouros públicos mudariam de endereço, pois o final da escravidão, em 1888, não livrou o país de preconceitos epidérmicos.

 Pra começo de conversa, na Bahia pós-republicana, onde mais da metade da população era fomada por negros e descendentes, o – professor/psiquiatra/antropólogo/higienista/etnólogo/tropicalista/sexólogo/legalista Raimundo Nina Rodrigues apoiou as teorias racistas do italiano Cesare Lombroso, o pai da antropologia crimial, que descrevia o negro por “delinquente natural”. E propôs para a raça penas mais rígidas - Nina Rodrigues dá nome ao Instituto Médico Legal de Salvador, desde 1906, casa que pode ser visitada na Avenida Centenário.

  Assim como o racista Nina Rodrigues, também, esteve na turma dele um outro reverenciado vulto histórico nacional – Euclydes da Cunha -, nascido no Rio de Janeiro e autor de trabalho jornalístico que virou obra notável do pré-modernismo da literatura brazuca – Os Sertões, de 1902, narrando a Guerra de Canudos (1896-1897), enfocando sociedade baiana abandonada pelo Governo e comandada pelo lunático Antônio Conselheiro. 

Euclydes da Cunha reproduzido de www.ebc.com.br

Naquela cena, Euclydes viu o mestiço sendo um “desequilibrado, sem a energia física dos ascendentes (índios da época da colonização brazuca) e nem a vivacidade intelectual dos ancestrais superiores”. Mesmo com tal visão, ele foi levado para a Academia Brasileira de Letras, onde um dos fundadores, o sergipano Sílvio Romero (nome de praça, em São Paulo) desejava acabar com os negros por  processo que incluía “o fim do tráfico negreiro (1850) e o desaparecimento dos índios”. Para ele, isso ajudaria tornar o branco preponderante no Brasil, “até tornar-se puro e belo como na Europa” – que horror!

  Um outro elemento “acima de qualquer suspeita” que entrou nessa  de “seleção natural” foi o escritor Monteiro Lobato – pasmem! Pois foi! E não só foi, como patrocinou a impressão dos primeiros boletins da Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1919.

Reprodução de www.monteirolobato.com.br

 Imagine, durante a década de 1920, cópias de projeto-de-lei dificultando entrada de imigrantes negros no País - do deputado Alfredo Ellis Júnior - desembarcando no  Sítio do Pica-Pau Amarelo! Com certeza, "se estivesse por lá", o conturbado personagem Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, não se internaria no Hospital Miguel Couto (do Rio de Janeiro), caso o prédio do estabelecimento fosse naquele sítio.   

 Presidente da Academia Nacional de Medicina, entre 1914/1934, Miguel Couto endossava as teses de Nina Rodrigues e do extremista Renato Kehl, do Departamento Nacional de Saúde Pública, um cara, hoje, largamente, condenado pelos historiadores. Mas o nome dele segue firme na Rua Doutor Renato Ferraz Kehl, em São Paulo, onde Armando Vieira de Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, defendeu o mesmo pensamento e ganhou placa na Avenida Dr. Arnaldo. Por sinal, São Paulo foi pródigo em homenagear gente assim, como, como Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan e emplacado, ainda, em uma das ruas paulistanas. Melhor foi para o psiquiatra Franco da Rocha, que virou cidade.

 Esta rapaziada era chamada por “eugenista”, defensora de pseudociência rascista, para justificar a impossibilidade de tratar negros como posse – proibido, no Brasil, desde o final da escravidão, em 1888. A simpatia pela tese vinha de uma Inglaterra sonhadora com raça superior, pura, propondo aos ricos proliferarem mais do que os pobres, “que desapareceriam, com o tempo”. Distantes 1148 km da ilha dos ingleses, pegaram vaga nesse trem os alemães Erwin Bauer, Gritz Lenz e Eugen Fischer, que escreveram sobre princípios hereditários humanos da higiene racial e fizeram a cabeça de Adolf Hitler, como este deixou claro em seu livro Mein Kampf (Minha Luta, de 1925).

Roquette-Pinto reproduzido do acervo fotográfico do Ministério das Comunicações

Aqui pela terrinha, João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional, não precisou esperar tanto para espantar o planeta. Em 1911, representando o Brasil no Congresso Universal das Raças, na França, ele compareceu levando o museu nacional dos horrores, onde uma prateleira guardava a ideia de que o sague do branco diluiria o do negro, algo pensado, também, por Belisário Pena, o criador da Liga Pró-Saneamento do Brasil – Belisário é nome de rua, na Penha, no Rio de Janeiro, e o JB de Lacerda no bairro da Mooca, em São Paulo. 

Duas décadas depois, o médico Edgard Roquette-Pinto, pioneiro das transmissões radiofônicas no país, e o  presidente da Associação Brasileira de Educação, Levy Carneiro, liderando sessões comemorativas do centenário da Academia Nacional de Medicina, aplaudiram a proposta que instava jovens “eugenicamente sadios a terem mais filhos do que as raças degeneradas” - ainda bem que Pelé, Garrincha, Didi, patota de sangue “degenerado”, ainda não era nascida pra ser saudada pelo rádio de Roquette-Pinto que, em 1958, os saudou como heróis nacionais

 


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