“Éramos seis garotos que nos
consideravam muito bons de bola e não imaginávamos nenhum ataque fatal contra a
nossa área”. Poderia começar assim um texto escrito por adolescentes gaúchos do
final da década-1970, ludibriados por um desafiante no balípodo. .
Era início do mês de novembro ( quarta-feira
3), quando os Renato (Rizzo e Feijó Padilha, ambos com 14 de idade) e os doze-anistas Alexandre Martins Centeno Crespo, Rafael
Mottin, e Edgardo Marco da Rocha Matias Velho foram desafiados, por um cara
conhecido de papos de bola na esquina, para
uma partida de futebol de salão, na quadra da Brigada Militar de Porto Alegre. Marcaram
encontro na Rua Santo Inácio, no bairro Moínhos, e entraram na Kombi (roubada) com a
placa YZ-0434, dentro da qual o convidante abriu o jogo, informando tratar-se
de um sequestro - o que espantou o guri Rogério, de 8 de idade (levado pelo
irmão Renato Padilha), que começou a chorar, ao ver o revólver exibido pelo
sequestrador.
Filhos de empresários e de fazendeiros, os garotos seguraram a barra. No dia seguinte, o pai de um deles foi contatado pelo sequestrador, que assegurou estarem os meninos bem e colocou-o em linha, com o filho, que o indagou se ele teria os Cr$ 2 milhões de cruzeiros pedidos pelo bandido para libertá-los. Ivo Rizzo, o negociador, tinha, no momento, com ele, Cr$ 1 milhão, 820 mil cruzeiros, aceitos pelo sequestrador. Negociação fechada, pela madrugada do sábado (06.11.1977), Ivo seguiu instruções do bandido, foi até Canoas (16 km de Porto Alegre) e depois para um trecho da rodovia Cachoeirinha-Gravataí (35 km de Porto Alegre), onde deixou o valor do resgate.
Duas horas após o pagamento do resgate,
às seis da matina de um sábado, um táxi parou diante da casa de Ivo, que não
sabia ter sido eleito porta-voz do grupo sequestrado, "por ser um sujeito tranquilão". Os garotos
desceram do carro usando as camisas do time
- brancas, com uma faixa azul -, todos calmos, enquanto o motorista Aldo
Rosa Meirelles era convidado para um papinho com o temível DOPS – Departamento de
Ordem Pública e Social, dos tempos da Ditadura dos presidentes-generais. Contou
ter visto uma Kombi parada na pista, garotos saindo de dentro e lhe acenando para parar. Após
embarca-los (viajaram por 28 quilômetros), lhe disseram estarem voltando de um
acampamento.
Enquanto os garotos passavam 36 horas sequestrados, muitas informações rolavam pela capital gaúcha. Por exemplo, falou-se de crime político; vingança pessoal; sequestro para bacanal de sexo e, também, que a turminha passara dois dias acorrentada pelos pés.
Enfim, o sequestro chegou ao fim, com Polícias
Federal e Civil, Brigada Militar, Exército, V Comando Aéreo, DPOPS e o SNI-Serviço
Nacional de Informação (um outro temível instituto da Ditadura) na caça ao sequestsardor, enquanto o
Banco Regional de Desenvolvimento Econômico e a Caixa Econômica Estadual-RS ofereciam linhas de financiamento aos familiares dos garotos, que passaram aos policiais
só informações que não levavam a nada: sequestrador moreno, de 30 a 40 de
idade, usando cabelos black-power,
camisa alaranjada, calça bordô, sapatos branco sujos de barro e medindo 1m68cm de
altura. Lhes dissera não ter a intenção de mata-los e chorara ao revelar estar fazendo aquilo
por precisar de grama para tirar o seu filho da cadeia. E se propusera a libertar
o Rogério, o de 8 de idade, no que eles discordaram, preferindo ficarem todos juntos.
Contaram mais os garotos: na véspera da
libertação deles (sexta-feira, 05.11.1977), em um matagal de Gravataí, o sequestrador
serviu-lhes carne churrascada, salsichas e sanduíches, e os convidou para uma partida
contra chegados seus, os do Fusca 1.300 (placa AY-9941) também roubado, para participação
no crime. Por falta de números suficientes no time dos bandidos, Renato e
Rafael jogaram pela equipe inimiga, partida em que até o chorãozinho Rogério
foi escalado. Depois, o raptor levou Renato, Rafael e Alexandre a um orelhão,
para falarem com Ivo Rizzo. E, pasmem! Passou-lhes um revólver calibre 38, “para se defenderem”, de bandidos que pintassem.
Resumo da ópera: os garotos fizeram um pacto de não denunciar o sequestrador - ele era trilegal! Mas Santino Ferreira da Silva foi preso, julgado e convidado a passar 10 temporadas como hóspede do Estado, com casa, comida e roupa lavada, tudo pago pelo contribuinte.
Nenhum comentário:
Postar um comentário