Vasco

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sábado, 23 de setembro de 2017

VENENO DO ESCORPIÃO - VANDERFREYRE

Da última vez que encontrei-me com o grande intelectual baiano, Hildon Rocha, cidadão barreirense e, também, jornalista e escritor, durante aqueles formais “como vai?”, respondi-lhe: “Não tão bem quanto você, pois jornalista trabalha muito e ganha pouco”.
Estávamos no Lago Norte de Brasília, na casa do também barreirense Dílson Ribeiro, membro da Academia de Letras de Brasília e amigo de Juscelino Kubitscheck.
 Hildon sorriu e disse: “Você pode ganhar pouco, mas tem uma riqueza nas veias. Por elas, passa o sangue que passou pelas de Gilberto Freyre”.
Neste e no livro abaixo, o intelectual...
Não entendi nada. Que eu soubesse, nada me ligava ao homem, sobretudo, porque eu sou baiano e não me consta ter ou tido parentes em Pernambuco.
Hildon justificou-se: “Onde nascemos (Bahia Oeste) já foi território pernambucano. Deixou de ser, devido entreveros políticos da Província com o Império. O sangue que jorrou nas veias de Gilberto Freyre é mesmo que circulou pelas da sua  avó Gustava Amélia Wanderley, mãe do meu amigo Arnaldo Wanderley, seu pai. Pesquise!” – recomendou-me.
 Não pesquisei, pois não estava interessado naquilo. Tempos depois, lendo “Memórias Indiscretas”, que Hildon Rocha escreveu, em 1981, para a Francisco Alves Editora, encontrei isso: “Gaspar Van der Lay veio (da Holanda) para o Brasil, no século 19, e casou-se com uma filha da família Mello. Desse encontro, uma Mello uniu-se a um Freyre, descendente de espanhóis”.  
O Wan der Lay abrasileirou-se para Wanderley, mas ficou de fora da descendência criada pelo professor Alfredo Freyre, com Francisca de Mello Freyre, os pais de Gilberto. Mas algo muito mais importante do que isso ficou de dentro das veias culturais nordestinas: a liderança intelectual de Gilberto Freyre, gerando o “Manifesto Regionalista” – década-1930 –, inspirador de romancistas e poetas, como Jorge de Lima, José Américo de Almeida, Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Jorge Amado e Rachel de Queiroz, entre outros.   
 Hildon Rocha não concordava comigo quando eu lhe usava a linguagem do "ludopédio" nacional e dizia que Gilberto Freyre "chutara pra fora", dedicando, certa vez, parte do seu tempo à política. Preferia entender que tivera “mandato parlamentar prejudicial à sua atividade de escritor”. Pois bem! Como deputado, o sociólogo autor dos clássicos “Casa Grande & Senzala” e de “Sobrados & Mucambos”, era tratado com indiferença pelos colegas, que preferiam as discussões partidárias, razão pela qual não ele ia ao microfone. Entregava discursos escritos para serem publicados pela mesa diretora da Câmara.    
 Além de admirador do grande pesquisador, Hildon Rocha tinha, também,  admiração por um outro  intelectual nordestino, Luís da Câmara Cascudo, do qual contou-me uma história interessante:  “Eleito deputado estadual, o Cascudo só exerceu o mandato por três sessões, após a posse. No dia seguinte, Getúlio Vargas tomou o poder e a “Revolução de 1930” levou à síncope as assembleias estaduais e federal. Tempinho passado, já ditador, Getúlio o visitou, no Rio Grande do Norte, e falou-lhe dos seus direito a indenização por mandato interrompido. Ouviu como resposta: ‘Eu é que devo à sua revolução, presidente. Se o senhor soubesse o bem que ela me fez!” – à cultura brasileira, evidentemente, pois tivera mais tempo para pesquisar, do que para gastar com política.
barreirense manda o seu recado
 Certa vez, escrevi, aqui no "Veneno", que Jorge Amado, durante uma entrevista a mim concedida, para a Rádio Nacional de Brasília, destilara grande antipatia por Ruy Barbosa, o qual considerava um "mau caráter". Pois Câmara Cascudo, também, não guardou boa impressão do mesmo, o brasileiro mais famoso do início do século 20. Cascudo assistiu e ouviu bem o último discurso de Ruy no Senado, e jamais escondeu ter saído da Casa tremendamente decepcionado com o apoio do homem ao projeto enviado ao Congresso Nacional, pelo presidente Epitácio Pessoa, propondo o estado de sítio.  
 Sobre Ruy, jamais indaguei nada ao Hildon, pois não perco o meu tempo com um sujeito preconceituoso, que apoiava ditadura (o que é o estado de sitio?) e achava-se melhor do que muita gente, recusando-se a embarcar no mesmo transporte. E o pior: advogava para um inglês que foi o maior picareta estrangeiro que já  pintou por estas plagas – ainda bem que está sendo esquecido. Nélson Rodrigues, o maior teatrólogo que já tivemos, também tinha pavor dele. 

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