Antigamente, os bons jogadores brasileiros ganhavam uma bela grana quando assinavam, ou renovavam contrato. Recebiam “luvas”, uma granona por fora. Era por ali que enchiam os bolsos. Um deles, no entanto, jamais embolsou tal dinheirama: o "médio" Ely do Amparo. Mas ele nem ligava. Esquisito? Nada disso. Segundo contou, como “o Vasco vencia dez vezes mais do que perdia”, as gratificações por vitórias e empates cobriam o prejuízo.
Faz sentido! Ely do Amparo fora carregador de "canecos" cariocas por cinco temporadas: 1945/1947/1949/1950/1952. No período, o Vasco venceu 85 vezes e empatou 10. Como ele participou de 88 desses jogos, engordou legal o cofrinho. Tanto que não escondia já ter alguma coisinha dada pela bola.
Ely do Amparo viveu uma outra situação interessante, como atleta. Começou a carreira jogando pela linha média, que incluía um zagueiro, um apoiador e um lateral, aos 14 anos, como juvenil do Brasil Industrial, de Paracambi-RJ, a sua terra. Um amigo o levou para o América-RJ, mas no time do “Diabo” viveu um inferno. Só ficava no banco dos reservas, vendo Danilo Alvim esbanjar categoria. Como estourara a idade e não conseguia barrar o concorrente, arrumou a mala e foi embora. Arrumou emprego, em uma oficina mecânica, de Ribeirão das Lages. Vivia contando aos amigos que vira Danilo jogar. Voltara encantado com a bola do homem.
O destino, porém, preparava uma surpresa para Ely. Em 1942, ele cruzou com Martim Silveira, ex-atleta do Botafogo e então treinador do Canto do Rio. Convidado a voltar ao futebol, aproveitou a chance. Jogou tanto que o Vasco foi pedi-lo emprestado, para o I Tornei Relâmpago do RJ, em 1944. Jogou mais ainda e saiu campeão, formando setor cm Alfredo II e Otacílio. Ao final do empréstimo, voltou ao “Cantusca”. Em 1945, o Vasco o “rebuscou”. E Ely foi formar a linha média vascaína com o cara que tanto admirava. Ficou famosa: Ely, Danilo e Jorge.
FIM DE LINHA -Aquela história rolou até 1955. Na volta de uma excursão, pela Europa, durante escala técnica em Recife, o time desceu do avião para fazer um amistoso com o Sport Clube Recife, que tinha por treinador Gentil Cardoso, que o dirigira no Vasco-1952. Como este precisava de um “xerifão” em sua zaga, convidou Ely para o "cargo".
Ely do Amparo negociou e ganhou passe livre do Vasco, para ser campeão do cinquentenário recifense. Não renovou contato, porque a sua mulher não quis continuar em Pernambuco. De volta ao Rio de Janeiro, em 1955, foi convocado, por Zezé Moreira, para ser o seu auxiliar técnico, no Canto do Rio. Em 1958, o time excursionou à Europa e, para dar experiência à zaga, o chefe insistiu muito, ele desaposentou-se e disputou 18 partidas. Após a saída do velho mestre, ficou segurando a onda, por uns tempos. Em 1959, o cartolão João Silva e o treinador Gradim o levaram para ser auxiliar técnico, em São Januário. Dali por diante, a história de Ely na Colina foi marcada por uma série de entradas e saídas do comando do time. Uma delas é o que se pode chamar de inacreditável: foi demitido após uma goleada. Vamos vê como foi.
CARTOLADA - Em 1959, o Vasco dispensou Gradim, que o levara aos títulos do SuperSuperCampeonato Carioca e do Torneio Rio-São Paulo-1958. Tentou continuar fazendo sucesso com o time dirigido por um ex-atleta seu, o goleiro de 1944, Dorival Knippel, o apelidado Yustrich, mas não deu certo. Ocara entrou, em outubro, e saiu, em março. O cargo, então, foi repassado a um treinador estrangeiro, o argentino Filpo Nuñes, o quinto gringo a dirigir a “Turma da Colina”, depois de Ramón Platero, Harry Welfare, Ondino Viera e Ernesto Scarone. Novamente, não deu certo. “El Bandoneon” (apelido de Filpo) só se segurou por cinco meses. Em 14 de agosto de 1960, por perder do Canto do Rio (1 x 2), também caiu. Antes, havia perdido (31.07) do América (0 x 1) e passado (04.08) por São Cristóvão (2 x 0, com um gol contra) e batido (1 x 0) o Olaria (07.08).
Já que não acertara com Yustrich e nem com Filpo, o Vasco entregou o time a Ely do Amparo, cabra muito macho na zaga dos antigos Vascos. Mandara porrada até no temível capitão da seleção uruguaia de 1950, Obdúlio Varela. Como treinador, Ely mostrava-se mais macho ainda. Enchera de brios o time vascaíno, obtendo oito vitórias seguidas – 21.08 – 4 x 2 Madureira; 27.08 - 2 x 0 Botafogo; 04.09 – 1 x 0 Flamengo; 09.09 – 3 x 2 Bonsucesso; 15.10 – 2 x 0 Madureira; 22.10 – 3 x 0 São Cristóvão; 30 .10 – 6 x 0 Canto do Rio. Ainda empatara duas partidas –: 17.09 –0 x 0 Bangu; 21.09 – 2 x 2 Portuguesa-RJ – e perdera só uma – 30.09 – 0 x 2 Fluminense.
Ely vinha trazendo o sucesso de volta a São Januário. Mas deveria ser um cara muito chato. Com certeza, mais chato do que Abel Picabéa, um argentino do qual diziam ter sido demitido por ser mais chato ainda. Se precisassem de um cara chato, ele não serviria. Afinal, como se explica Ely ter sido tirado do cargo após uma goleada, por 6 x 0?
PICAGROSSA - Ely vivia dizendo que não tinha a pretensão de ser efetivado como treinador do Vasco, porque, de uma hora para a outra, um nome famoso tomaria o seu lugar. E aconteceu. O presidente Allah Batista procurou saber do passado de Abel Picabéa, e soube que, como atleta, ganhara um campeonato argentino, pelo San Lorenzo, e, como treinador, levara o São Cristóvão ao título ganhar o primeiro Campeonato Metropolitano do Rio de Janeiro-1943 (também chamado de Torneio Municipal). Fora, ainda, vice-campeão mineiro-1950, pelo America-MG, e campeão da segunda divisão espanhola, pelo Oviedo, em 1957.
Allah Batista achou que podia apostar no homem, e encarregou o seu diretor Milton Dias Pinho de tratar das negociações. Acertaram um ano de contrato, pagando Cr$ 80 mi cruzeiros mensais, e prêmios iguais aos dos jogadores. Estava concretizada a previsão de Ely do Amparo.
Abel Picabéa foi um daqueles “hermanos” que chegam e ficam por aqui. Nascido em Buenos Aires (26.07.1906), veio como atleta, aos 31 anos de idade, para o São Cristóvão de 1937. Jogou por quatro temporadas, pendurou as chuteiras e engatou a carreira de treinador, pelo Canto do Rio. Achava que os seus conhecimentos técnicos dos tempos de “médio direito” do San Lorenzo, de Almagro, e do Rosário Central, juntados ao que vivera no São Cristóvão, credenciavam-lhe a uma boa e nova aventura.
Picabéa ficou um ano no "Cantusca". No seguinte, voltou ao São Cristóvão, para mais quatro anos. Passou, depois, por Madureira e Santos (em 1946) e totalizou 12 temporadas de futebol brasileiro. Fincando raízes por aqui. Até 1955, trabalhou, ainda, para o América-MG, o Olaria-RJ, o Palmeiras e a Portuguesa de Desportos. No total, 21 anos de Brasil. Até que o português Sporting o levou. Uma temporada depois já era do espanhol Oviedo – até 1959.
Em 1960, o contrato de Picabéa terminara na Espanha e ele não se decidira pelo futuro. Tirou um tempinho para ir ao Rio de Janeiro, vendar a sua agência de vendas de automóveis. Enquanto resolvia negócios, amigos o indicaram ao presidente vascaíno Allah Batista.
Picabeá recebeu um time forte – Barbosa (Ita), Paulinho de Almeida (Dario), Bellini, Orlando (Russo) e Coronel; Écio (Laerte) e Roberto Pinto (Valdemar); Sabará, Delém, Wilson Moreira e Pinga (Ronaldo) era a base. Mas não demorou muito na Colina. Era pra lá de chato. Só por isso?
Com Picabéa, o Vasco desandou, em relação ao que vinha sendo com Ely do Amparo. Em seis jogos sob nova direção vencera só dois – 04.11 – 2 x 0 Portuguesa-RJ; 26.11 – 1 x 0 Flamengo; empatara dois – 13.11 – 0 X 0 América-RJ; 16.12 – 1 x 1 Olaria – e perdera outros dois – 2011. 01 Bangu; 04.12 – 1 x 2 Botafogo. O "pica-grossa não saía de cima... do muro! (fotos reproduzidas da "Revista do Esporte")
Nenhum comentário:
Postar um comentário