Vasco

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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

COMANDANTE DE ESQUADRAS: MARTIM FRANCISCO, O CAMPEÃO CARIOCA-1956

  Martim Francisco Ribeiro de Andrada poderia ser um bom nome para um conto que coubesse, digamos, um Visconde de Barbacena. Ou, esportivamente, um patrono da Federação Mineira de Futebol. Certamente, o sobrenome abriria rotas para um escritor traçar os mais diversos meandros imperiais. Se bem que o dito cujo jamais viveu fora de tempos republicanos, por este país.
  Como todo menino brasileiro, Martim rolou a sua bolinha pelo meio da rua. Aos 13 anos, era goleiro infantil do Olimpíque, da sua Barbacena. Saiu, deu uma voltinha, pelo Juventus, e voltou. Mas um acidente o tirou dos gramados. Além do mais, um Andrada daqueles tempos mais modernos teria que frequentar os bancos universitários. No seu caso, apanhou um canudo e foi cuidar da alma dos homens, como professor de psicologia, sociologia, filosofia, pedagogia, esses lances.
Martim labutava com os mistérios das alma. De repente, o professor  sentiu necessidade de mais emoções. O magistério não lhe oferecia tanto. Lembrou-se de que, em 1948, quando era estudante, no Rio de Janeiro, fora ao Fluminense pedir ao treinador uruguaio Ondino Viera que lhe ensinasse a engenharia tática de uma partida de futebol. Seria por ali, imaginava a sua próxima rota.
  Os anos dourados chegaram. Em 1950, o ex-professor Martim Francisco começava a nova década com atividade nova: diretor do Departamento de Interior da Federação Mineira de Futebol. Estava de volta para uma velha paixão. Com ela, chegou a ser assistente-técnico de Urbano Santos, o “Campeão”, na seleção amadora mineira. Logo, em 1951, ele dissera a que viera: assumiu o comando de uma equipe de futebol profissional, pela primeira vez, e terminou a temporada campeão estadual, com o Villa Nova, de Nova Lima, surpreendendo os “grandes” Atlético, Cruzeiro e América.
"E por aqui! Vamos mudar a história!"
Com todo aquele sucesso, Martim Francisco foi requisitado pelo Siderúrgica, que, também, queria ser campeão mineiro.  Só que o seu time (era da cidade de Sabará) não tinha jogadores como Escurinho e Lito, que Martim descobrira no grupo do ”Leão do Bonfim”. No máximo,  conseguiu um vice. E foi até demais. 
VENENOSO - Campeão estadual, em 1951, e vice, em 1952,  ninguém mostrava mais veneno do que Martim Francisco para dirigir uma seleção mineira de novos, que encararia os cariocas, naquele 1952. Levou a rapaziada ao Rio de Janeiro e voltou a Minas com a vitória. Grande feito! A ponto de deixar a turma do Clube Atlético Mineiro ligadíssimo nele. E, assim que 1953 pintou, foi buscá-lo. Martim ganhou o título estadual da temporada, para, em 1954, ser intimado a dirigir a rapaziada das alterosas que disputaria o Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais, a maior competição nacional da década. Passou, invicto, pelo torneio, até este ser suspenso.
 Minas Gerais estava ficando pequena para Martim Francisco. O Rio de Janeiro e o América Futebol Clube lhe acenavam com novos horizontes. Claro que ele topou. A parir de abril de 1954, a sua novíssima missão seria acabar com aquela história de time “tico-tico no fubá”. Teria de fazê-lo bater na rede.      
  Além de trabalhar atletas, Martim Francisco era um consumidor de literatura esportiva. Chegou a reunir 650 livros, para estudos, dos quais tinha predileção pelo espanhol  “El preparador técnico” e o argentino “Táticas y técnicas”. E estudando muito  chegou ao time americano, elegendo duas táticas fundamentais (a do terceiro zagueiro, de Kisrchner, e o WM, de Chapman). No mais, deixou claro que intromissões de cartolas no trabalho do treinador era um dos grandes entraves do futebol brasileiro. 
Com Martim Francisco tocando fogo, o “Diabo”, fez um chamegante Campeonato Carioca-1955. Decidiu, com o Flamengo, foi vice, mas seu time encantou a galera. No final do ano, entrou em rota de choque com a cartolagem americana, do que se aproveitou o Vasco para levá-lo.

2 - Em 1956, os organizadores da Pequeña Copa del Mundo, que a Federação Venezuelana de futebol promovia, chamando só clubes colocados entre  os quatro primeiros de sua liga nacional – o Vasco fora o terceiro do Campeonato Carioca de 1955 – pensavam em formar uma seleção, incluindo, como convidados, os vacaínos Danilo Alvim, Maneca, Ademir Menezes e Chico Aramburu. Terminaram levando o time inteiro, para correr atrás do Troféu Marcos Pérez Jiménez, em homenagem ao presidente do país.
Para Martim Francisco, uma ótima oportunidade de trabalho com uma rapaziada que iniciaria as disputas do Campeoanto Carioca, dentro de três semanas. Poderia testá-la diante de adversários poderosos, como o espanhol Real Madrid-ESP, o português Porto e a italiana Roma. A estreia, porém, em 1º de julho, fora desanimadora. Caira, fragorosamente, por 5 x 2, ante os espahóis.
  Ainda bem que a equipe se recuperara, dois dias depois, com 3 x 0 nos portugueses. Passados mais quatro dias, outra grande vitória: 3 x 1 sobre os italianos. Boa reação, seguida, 72 horas depois, de um segundo tropeço, ante os portenses: 0 x 1. No entanto, no dia 14, voltara a vencer a Roma: 2 x 1.

Martim soltou fumaça pra cima do merengues do Real Madrid
 Com tais resultados, o Vasco classificou-se para decidir o torneio, contra o Real Madri, no dia 18. Daquela vez, errou menos e empatou, por 2 x 2. Ficou vice, mas o venezuelanos gostaram tanto da partida que pediram um repeteco – amistosamente, é claro.
Tudo bem, o Vasco topou. E, na sexta-feira, 20 de julho daquele 1956, voltou ao Estádio Universitário de Caracas, para mandar 2 x 0 nos “merengues”, deixando Martim Francisco com a visão de que tinha time para ser campeão carioca.
Para o terceiro jogo em 20 dias, Martimo armou um time mais seguro e encostou a rapaziada no cantão, com um discurso animador:
– Vocês já jogaram contra eles, sabem o que vem por aí. Portanto, não aceito repetição de pixotadas. Com certeza, eles etarão muito confiantes, por causa da goleada que nos deram. É hora de fazermos um servicinho com estes gringos. Só depende de vocês. Vamos encarar, sem medo. E bola pra frente, pediu.
A moçada não precisava ouvir mais nada. Ficara confiante com aquele sacolejo moral do “professor”. Sem mais o que dizer, Martim Francisco mandou pra campo uma equipe formando com Wagner no gol. Dario e Coronel pelas laterais. No miolo da zaga, Orlando e Haroldo, cobertos por Laerte. Na frente, Sabará, Válter Marciano, Livinho, Artoff e Pinga – no decorrer da partida, entraram Cléver, em lugar de Orlando, e Beto, no de Coronel.
 Se esperava a mesma moleza dos 5 x 2 da primeira rodada da Pequena Copa do Mundo, o Real viu, logo, que o riscado seria bem diferente. E nem seria, também, como daquela vez em que armou um verdadeiro selecionado espanhol, para bater o Vasco, por 4 x 2, tempos atrás, em Madrid, também, amistosamente. Resumo da ópera: com gols de Válter e de Artoff, o Vasco deixou o garmado aplaudido pela torcida venezuelana. Naquele dia, as palmas não foram para Di Stefano. 

3 - A temporada oficial carioca de 1956 começara com o Flamengo candidato ao tetra. O Vasco, porém, queria impedir as pretensões do seu maior rival, sobretudo, porque estava há quatro anos na fila para voltar a ser campeão. Como as pressões políticas internas eram grandes, trocara de treinador e mandara Martim Francisco arrumar a casa durante uma excursão à Europa. O time estreou no Estadual goleando a Portuguesa, por 4 x 0. Mas enganchou no Botafogo, 0 x 0, na segunda rodada. Animou a torcida, mandando 4 x 1 Madureira e 2 x 0 Canto do Rio. Para s partida seguintes, mandava avisar que estava na briga pelo caneco. 
Veio, então,  a tarde de 26 de agosto, no Maracanã, quando Telê Santana e Valdo abriram 2 x 0 Fluminense, com 21 minutos de jogo. Nas arquibancadas, a galera se entreolhava, sem entender o que se passava com a rapaziada. Ainda bem que ficou só por aquilo, no primerio tempo. Veio uma nova fase e, rapidamente, viu-se um outro Vasco no jogo. Martim recuou Pinga, levando o lateral-direito tricolor Cacá para o meio do campo. Com isso,  Vavá ocupava o espaço deixado pelo ponta-esquerda, obrigando o zagueiro central tricolor Pinheiro a ir atrás dele. Do outro lado, Livinho arrastava o quarto-zagueiro Clóvis, para o outro flanco. Além disso, o ponta-direita Sabará prendia Paulinho na lateral, para Válter e Laerte pegarem um corredor aberto.  
 Santa tática. O Vasco virou o placar, para 3 x 2, com Telê, o coração tricolor, anulado. A partir daquela demonstração de força, o time engrenou e, até o final do Carioca, só perdeu uma, na terceira rodada do segundo turno (0 x 1 Flamengo). Martim cumprira a sua promessa, com 16 vitórias, quatro empates e só duas quedas. Estava acabado o jejum de quatro temporadas.
O América não parou o  Vasco de Martim. No Carioca-1956, caiu nas duas partidas

4 - Treinador campeão carioca, com o Vasco da Gama-1956, aos 28 anos de idade, Martim Francisco impressionava ao maior teatrólogo do país, Nélson Rodrigues, colunista da Manchete Esportiva, pela maturidade de sua juventude. Em seu texto da edição Nº 58, de 29 de dezembro de 1956, ele dizia que, em tal altura da vida, o jovem vivia o dilema, de ser gênio, ou boboca. E não via a menor coerência entre a idade física e o interior do treinador mineiro, o qual entendia “escondendo um considerável lastro vital”.
 Martim chamara a atenção de Nélson por um detalhe atávico: se o seu antepassado José Bonifácio fora o patriarca da independência brasileira, ele era do espírito campeão da sua equipe. “Não foi, jamais, e estritamente, um técnico de bola. ... se impôs, aos seus comandados, desde o primeiro instante, pelo seu jeito patriarcal... O time do Vasco vive debaixo da sombra larga e cálida de Martim Francisco”, via Nélson, que o considerava um “técnico de alma”. Em sua opnião, para se destacar como treinador, Martin Francisco precisou, antes, vencer como psicólogo. “O técnico tem que ser um consultório sentimental para o craque. Do contrário, não dará, nunca, ao seu time, o elan de um campeão”, filosofava, acrescentando que seu elogiado acudia e resolvia os problemas íntimos de cada atleta, o que, por sinal comentara o capitão Bellini, o mais respeitado atleta de todos que já passaram por São Januário.
Campeão carioca, com uma rodada de antecedência, o Vasco de Martim Francisco fora visto por Nélson Rodrigues, também, sem jamais lhe faltar o impulso para a vitória, ou a luta. “O colapso técnico não era acompanhado pelo colapso de alma”, analisou, em referência às duas derrotas e quatro empates ao longo de 22 jogos, dos quais 16 vencidos. “... cada partida do Vasco tem sido uma lição de amor ao clube. E o que tudo isso, senão o trabalho de Martim Francisco, que soube amadurecer o coração dos seus jogadores para a vitória?”
De sua parte, o repórter Ney Bianch vira o Vasco-1956 de Martim Francisco como o grande clube que passou mais apertado, mas, também, ”o único que soube se desapertar em todas as ocasiões”. E imputava ao fato de o treinador manter uma formação imutável, por todo o primeiro turno, o grande passo para o sucesso, citando como exemplo as três maiores pedreiras da etapa: a virada, sobre o Fluminense (3 x 2), após sofrer dois tentos; a pancada (3 x 1) em cima do América, base da Seleção Carioca, e o empate (1 x 1), com o Flamengo.
Ao mesmo tempo em que via o Vasco abrindo a porta da perseguição aos seus planos, Bianchi o via, no returno, “marcado, escolhido para a glória”. E sentenciava: “ ... a força desconhecida que a predestinação lhe votava é que o impulsionava...” De sua parte, Martim Francisco, respondia que tudo tinha uma explicação: “A alma do Vasco são os jogadores do Vasco”.

BALANÇO DO TEMPO - Antes de ser campeão carioca-1956, Martim Francisco e os seus jogadores passaram por momentos difíceis. Entre 31 de março e 25 de abril de 1956, o presidente Arthur Pires mandou o seu time disputar de 10 amistosos por gramados europeus – fez cinco partidas, em nove dias, na Turquia -, resultando num giro que gerou muitas críticas, devido seis derrotas, um empate e só três vitórias, sem poder contar com quatro titulares – Artof, Livinho, Pinga e Vavá, contundidos, e Paulinho de Almeida, Bellini e Sabará na Seleção Brasileira. 
Cartel da ecursão: 31.03.1956 – Vasco 2 x 5 Anderlecht-BEL; 05.04 – Vasco 2 x 5 Seleção da Áustria; 07.04 – Vasco 2 x 0 Besiktas-TUR; 08.04 – Vasco 0 x 2 Fernebhacen-TUR; 11.04 – Vasco 1 x 0 Galatassaray-TUR; 14.04 – Vasco 3 x 4 Ankara-TUR; 15.04 – Vasco 3 x 1 Besiktas-TUR; 18.04 – Vasco 0 x 0 Estrela Vermelha-IUG; 22.04 – Vasco 2 x 4 Lazio-ITA; 25.04 – Vasco 0 x 2 Grasshoppers-SUI.

Já que tivera de obedecer a quem mandava, Martim Francisco aproveitou a viagem para estudos. Dois anos depois, enviou um documento à então Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF), no que ele afirmava ter sido o seu plano para a Copa do Mundo de 1958, “seguido pela entidade”. Jurava ter escrito proposta de trabalho para o Mundial da Suécia. "A CBD solicitara a colaboração de todos os treinadores do país, mas só eu lhe atendi. Entreguei o meu trabalho a Ibrahim Thebet, na presença do presidente vascaíno, Artur Pires, contava, acrescentando:  O Ibrahim o levou, ao Sílvio Pacheco (vice-presidente) da CBD", afirmou.

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