Vasco

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sábado, 24 de agosto de 2019

O VENENO DO ESCORPIÃO - A VELHA JOVEM GUARDA APAGA 64 VELINHAS

Paulinho Machado vendeu o horário...
Paulinho Machado de Carvalho ouvia. Não dizia sem e nem não. Achava graça e contava aos amigos: “Tem uma turma de cabeludos que não sai da minha sala, pedindo pra fazer um programa na TV”.
Os carinhas não eram bobos. Já haviam sacado que artista brasileiro pra fazer sucesso naquela metade da década-60 teria que passar, inevitavelmente, pela telinha da TV Record. De preferência, depois das 20h, quando o então Canal 7 exibia shows de auditório – Astros do Disco; Corte-Rayol Show; Bossaudade; O Fino da Bossa; Família Trapo; Praça da Alegria e Esta Noite se Improvisa -  que geravam picos de 89 a 90% de audiência, enloquecendo a concorrente Excelsior.
Na verdade, Paulinho - o executivo filho do dono da casa, Paulo Machado de Carvalho, que chefiara a Seleção Brasileira durante o bicampeonato mundial de futebol, em 1958 e 62 - já pensava na possibilidade de criar programa para jovens e gente menos politizada do que assistia  O Fino da Bossa, com Elis Regina e Jair Rodrigues. Ele já havia penrcebido que não dava mais pra ignorar o fenômeno  beatlemania psicodélica, tocado aqui no Brasil pelos cabeludos que lhe enchiam o saco.
...Carlito Maia o comprou e...
 Por aquela época, o videoteipe já permitia à TV brasuca  levar  imagem a muitas partes do país, sem improvisos e seduzindo anunciantes que acirravam a guerra pela audiência. 
 Vítima de vários incêndios, a Record não tinha condições técnicas e nem fórmulas mágicas para derrubar a Excelsior, antes das 20 horas. Os Machado de Carvalho apostavam em seus artistas como único objeto de interesse do telespectador e os fazia, também, de cenários, pois não havia como mudar ambientes dispondo de um  só palco.
Foi, então, que uma imprevista fórmula mágica bateu à porta da emissora: a Federação Paulista de Futebol proibiu as transmissões dos jogos das tardes dos domingos, abrindo um buraco em sua programação.  Era a hora de Paulinho atender os cabeludos, principalmente porque uma agência publicitária – Maia & Magaldi & Prosperi – desejava criar ídolos de consumo de massa, como ocorria nos Estados Unidos.
Só pintou um problema para a Record criar programa para a classe média e os jovens: a elite brasileira associava cabeludos a delinquentes, o que emperrava negociações da agência com muitos patrocinadores, que se recusavam a vincular seus produtos com aquela turma que passava longe dos barbeiros. O jeito, então, foi a agência publicitária comprar o horário vago e bancar os custos de produção. Entre publicitários, jornalistas, maquiadores, costureiros e cenógrafos, contratou 30 profissionais e foi à luta.
...baseado em frase de Lenin...
 Resolvido o primeiro impasse, como deveria chamar o programa e quem o comandaria no palco?  Paulinho Machado de Carvalho queria Erasmo Carlos, mas este saiu com outra:  
- Eu tenho um amigo que é o cara certo para o que vocês querem, respondeu, sugerindo Roberto Carlos, que emplacou.
 Quanto ao nome do programa, Carlito Maia, simpatizante do socialismo, lembrou-se da frase  – “O futuro pertence à jovem guarda, pois a velha está ultrapassada”, artribuida ao camarada Lênin (Vladimir Ilitch Ulyanov (1870 e 1024), e barrou a sugestão “Festa de Arromba”, o título de um sucesso de Erasmo, desfilando os nomes da patota jovem da música brasileira.
 Para Carlito, um programa de TV não deveria ser como festas, eventos efêmeros. Roberto, que não era politizado, como toda a sua turma, achou aquilo muito estranho para sessão de música jovem em auditório. Mas a Record foi em frente e pediu permissão ao jornal Folha de São Paulo para momear a sua nova proposta com o título da coluna social de Tavares de Miranda. Se bem que, na década-50, Ricardo Amaral apresentara programa dominical noturno, com o mesmo título, entrevistando socialistas paulistanas.   
...colocou na tela da TV um programa musical...
Próximo passo? Arrumar uma companhia feminina para Roberto Carlos. Inevitavelmente, Cely Campello, a número 1 da  música jovem brasileira era a solução. Mas ela não botou fé no jeito brincalhão de Roberto e nem topou a grana que lhe oferecida. Deixou a glória para  Wanderléa, amiga do Roberto, que já tinha convocado, também, o irmão-camarada Erasmo. Esquema armado, a TV Record anunciou “O maior programa de todos os tempos para a juventude” , e, no dia 22 de agosto de 1965, às 16h30, colocou no ar  Jovem Guarda, que viria a ser um lindo sonho delirante para aquela turma que amava os Beatles e os Rolling Stone. 
... para a juventude da onda...
Na tarde da estreia, mais de mil jovens com menos de 20 de idade se espremeram no Teatro Record, à paulistana Rua da Consolação – cabia cerca de 500 almas -, pra ouvirem, além de Roberto, Erasmo e Wanderléa, os conjuntos The Jet Blacks, The Jordans e The Clevers, e os cantores Eduardo Araújo, Prini Lorez, Martinha, Cleide Alves, Meyre Pavão, Rosemary, Reynaldo e Agnaldo Rayol, Sérgio Murilo e Roni Cord.
Só uma bola fora para o primeiro programa: não convidaram Renato e Seus Blue Caps que, com Menina Linda, (versão da beatlemaníaca I Should Have Known Better), brigava com Roberto Carlos pelos primeiros lugares das paradas de sucesso.
 Pissadas na bola à parte, começava, por ali, um período de ostracismo para o bolero, o samba, o samba-canção e o jazz que, antes, tomavam conta das ondas do rádio brasileiro.
  Roberto, com 23 de idade, abria o Jovem Guarda quase sempre cantando O Calhambeque, versão dele e de Erasmo para Road Hog, dos norte-americanos Gwen/John Loudemilk. Usava o terninho beatlemaníaco da moda, preto e sem gola, e, antes de entrar no palco, bebia um gole do aperitivo francês San Raphael, para ficar mais solto. Mas foi com sugestão do radialista Jair de Taumaturgo, para movimentar-se mais pelo palco e a fazer gestos, que ele consagrou o estilo que marcou a Jovem Guarda. Nos primeiros acordes de O Calhambeque, Roberto abria os braços, curvava-se e apontava para quem viria cantar, gritando, por exemplo:
...liderado por Roberto, Wanderléa e Erasmo e que teve...
- O meu amigo, Erasmo Carlos” – depois, anunciava a Maninha Wanderléa, que enloquecia os rapazes usando minissaias generossísimas.
 Mesmo tendo como um dos seus mentores um socialista atuante no mercado  capitalista e querendo repetir padrões de consumo norte-americano, a Jovem Guarda surgiu enfrentando o preconceito das esquerdas, que a consideravam produto da alienação política, ao contrário da outras manifestações da música popular brasileira que cantavam o morro, a miséria. 
Realmente, suas letras seguiam a estrutura das ingênuas histórias em quadrinhos, incidindo sobre o namoro, o carrão, coisas que marcavam o sonho dos jovens da classe média da época. Não eram como a Bossa Nova, valorizadora da forma, do estilo, do conteúdo.
...estes sucesseiros a partir do segundo programa.
No entanto, o que chocava mais os intelectuais de esquerda eram as guitarras elétricas que faziam os jovens sacudirem-se em ritmos que pulsavam raízes roqueiras, tipo o rockabilly, o que eles taxavam de, absolutamente, colonialista.
Para aquela turma, como poderia o brasileiro, naquele momento em que o governo militar editava o Ato Institucional-2 (AI-2), suportar cabeludos usando terninhos justos, roupas coloridas, botinhas com saltos carrapeta e gritando  o beatlemaníaco ié-ié-é? E o pior: com os dedos cheios de anéis portando “desenhos de figuras representantes do imperialismo”, como Brucutu e Fantasma, heróis da garotada nos quadrinhos – foi assim, há 23. 330 dias, ou  64 temporadas, celebradas neste 22 de agosto, quinta-feira.     

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