Estava lá – na Avenida Sernambetiba – um
corpo estendido no chão – com a cabeça em cima de uma poça d´água. Por volta
das nove da noite do 3 de dezembro de 1974, entre o final da iluminação e a
Avenida Alvorada, Almir da Silva Rodrigues foi encontrado agonizando, alvejado
por cinco balas. Em sua mão direita havia fios de cabelos pretos, femininos,
ensopados por laquê, cosmético então na moda.
Almir passou nove dias no Hospital
Miguel Couto, tentanto sobreviver, após três cirurgias para extração das balas
que o atingiram suas costas, virilha e o pescoço. Mas o que conseguiu foi só
deixar incriminada a ex-namorada Maria de Lourdes Leite de Oliveira, a Lou,
imputando-lhe a autoria do primeiro tiro –
pelos outros quatro, acusou “um homem” que ele não conhecia. “Foi a
Lourdes, foi ela, Lourdes”, balbuciou, semiinconsciente, quando levado por um
carro da PM, durante a noite daquela terça-feira trágica.
DUAS SEMANAS antes, na mesma Barra da
Tijuca, Wantuil de Mattos Lima, técnico em consertos de TV, passara pelo mesmo
tipo de execução. Sua mulher suspeitava de que ele tivesse um caso com a Lou e
chegou a telefona-la, exigindo explicações.
Esquisito! Uma estudante universitária,
moradora da chic Zona Sul carioca, aos 24 anos de idade, figurando no
noticiário policial dos jornais, rádios e TV, citada por envolvimento
sentimental com dois pobretões suburbanos e de participação em dois crimes.
Afinal, quem era esta Lou?
Para os familiares, uma moça meiga,
dengosa, exigente com alimentação, roupas, calçados, tudo o que se ligasse à
moda. Os jornalistas que a entrevistaram disseram ser “uma garota meio
engimática”, enquanto o advogado Mário de Figueiredo, com 34 anos de praça,
afirmava ser uma “menina vítima de uma cretinice bárbara”. De sua parte, Lou
definia-se “alguém que gosta de viver bem, como toda moça de minha idade”,
conforme declarou à revista “O Cruzeiro”, de 05.03.1975, da qual foi capa.
Lou
tivera vários namorados, antes de ficar famosa, mas sem perder a cabeça por
nenhum deles. À época dos dois crimes, ela residia no 10º andar do prédio de nº
36, da Rua Lauro Müller, em Botafogo. Já havia morado no Edifício Visconde de
Caeté, nº 246, da Rua Carlos Sampaio, na Cruz Vermelha, sem fazer amigos, a não
ser a cortureira Janoca Lemos Albernaz, que seguia atendendo-lhe.
DOIS AMORES – Almir e o engenheiro
Wanderley Gonçalves Quintão disputavam os amores de Lou. Trabalhador de uma
oficina mecânica da Rua Pereira da Siqueira, na Tijuca, o primeiro se virava,
desde os 14 anos de idade, inicialmente, como “office-boy” de lojas e, depois,
aprendiz de mecânica e motorista de taxi, como o pai. Para a mãe, Lídia, ele
era “um menino puro”.
Os irmãos Aprígio e Sérgio sabiam do seu caso com a
morena fatal, tendo Aprígio declarado à 16º Delegacia de Policia, na Barra da Tijuca, que Almir “tinha uma
transa com a filha de um homem de prestígio (Coronel Lúcio Oliveira), uma dona,
em Copacabana, de nome Lourdes, que parava muito na dele”.
PELA VERSÃO de Lou, ela haviar rompido com Almir, “por pressões familiares”,
mas não deixava de contata-lo, de vê-lo. O encontro resultante no crime fora
marcado, na véspera, para as 19h30 do dia seguinte, próximo a um posto de
gasolina da Rua Mem de Sá. Às 14h30, Vanderlei surgiu à porta do seu
apartamento. Saíram juntos e foram à Barara da Tijuca, onde o rapaz consumiu,
nos bares Corcovado e Rancha Alegre, respectivamente, batidas com água de coco
(tira gosto de siri) e um “traçado”, também bebida alcóolica, enquanto ela,
garantia, só bebera Coca-Cola.
O
tempo rolou e Lou, ainda pela sua versão, pedira a Vanderlei que a levasse à
Rua Mem de Sá, dizendo-lhe precisar encontrar-se com a sua mãe, para irem à
costureira. Ao encontrar-se com Almir, foram até um local do Recreio dos
Bandeirantes sem nenhuma luz. Por ali, o cara disse-lhe que um pneu do seu
carro havia furado. Pararam no acostamento, ficarem conversando dentro do
automóvel e, de repente, faróis aproximando-se evidenciavam que Vanderlei os
havia seguido. Avisado de que o iluminador era o seu namorado Vanderlei, o
companheiro de escapada saiu do carro para falar com o rival.
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O caso virou, também, livro de
escritor famoso |
NESSE PONTO, a versão de Lou lembra os
livros de ficção policial: “Saí do carro, ouvi uns tiros, me escondi. Só ouvia
o barulho do mar. Vi o Almir caído. Vanderlei abaixou-se, fez mais dois
disparos e dirigiu-se a mim, chamando-me
de infiel, vagabunda e outras palavras impublicáveis. Em seguida, ordenou-me entrar
em seu carro e manter bico calado, se não quisesse ter o mesmo destino. Disse
ter usado dois revólveres para a polícia achar que fora um assalto”.
Serviço feito, Lou viu-se, finalizando a
sua versão, levada para o Rancho Alegre,
com Vanderlei a abraçando e falando frases de amor. Ao entraram, o namorado
pediu carne de veado, bebeu um “traçado” e
exibiu-se, em uma barra de ferro, fazendo malabarismos. Às 10h15 da
noite deixou-a em casa, passando, a seguir, a buscar um álibi para ele e, “
todo custo”, tentar incriminá-la.
QUANDO OUVIDO na 16º DP, Vanderlei negou já
ter possuído armas e garantido nem saber atirar, ainda mais com as duas mãos, “como mocinho de
banque-bangue”. Acusou o advogado Mário de Figueiredo de subornar pessoas, para
montar um álibi, enquanto o seu advogado, Laércio Pelegrino acusou Lou de
inventar uma “história sem sentido”.
Lou e Van foram a julgamento em 1979. Durante as investigações, ela entregou à
polícia um revólver do seu pai, dizendo tê-lo emprestado a Vanderlei. No exame
de balística, feito pelo Instituto de Investigações Científicas e Criminais,
ficoua comprovado ter a arma sido usada
pelo seu namorado, por conta de um pacto para eliminar todos os amantes
dela.
O julgamento levou quatro dias, tendo a Lou sido condenada a 20 e o Van a 18 anos
de prisão. Em, 1982, ele conseguiram liberdade condicional. Lou formu-se em
Drieito, mas jamais arrumou emprego. Um dos repórters que a ouviu,
Wanderley Lopes, de “O Cruzeiro”, equanto Irineu Barreto Filhoa fotrogravava, anotou:
“...estão dizendo coias absurdas, que eu matei um rapaz... eu nunca matei
ninguém...Tenho um bom coração” – imagine se não tivesse!