O capitão Bellini já foi embora, mas deixou muitas histórias para o torcedor vascaíno jamais esquecê-lo. A primeira delas está entre a lenda e o real.
Conta-se que ele e diretores da São-Joanense, de São João da Boa Vista-SP, aproximavam-se do estádio do Palmeiras, onde negociaram o seu passe, por Cr$ 400 mil cruzeiros. Quase na porta, ouviram o radialista Antônio Cordeiro anunciar, pelo programa “No Mundo da Bola”, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, que o Vasco da Gama iria oferecer Cr$ 500 mil pelo atleta. Imediatamente, voltaram e, no dia seguinte, foram para São Januário.
O futebol de Bellini chegara ao conhecimento dos cruzmaltinos por conta de duas notícias publicadas por jornais paulistas e lidas pelo vice-presidente de futebol da Colina, Eurico Lisboa. Este o contratou, pagando-lhe Cr$ 10 mil mensais, que seriam aumentados para Cr$ 12 mil, caso ganhasse a vaga de titular – na São-Joanense, faturava Cr$ 2 mil mensais.
ÍDOLOS -Assim que começou a viver o Vasco, Bellini deslumbrava-se ao cruzar com Barbosa, Augusto, Ely, Danilo, Ademir e Chico, os mais famosos atletas do clube. Era 1951 e, de início, ele treinava pela lateral-direita. Até 1952, só conseguira jogar duas oportunidades, o que valeu-lhe a inscrição na galeria dos campeões cariocas da temporadas. Mas o treinador Gentil Cardoso não gostava do seu futebol.
A sorte dele foi o homem sair, após o titulo estadual, e o substituto Flávio Costa mudar o seu futuro. Lançou-o como “beque central”, como eram chamados os camisas 3 da época, com a ordem de não tocar a bola. Só chegar, decidir e espanar. Realmente, classe Bellini não tinha. Nenhuma! Mas raça e liderança lhe sobravam. Tanto que os companheiros do Vasco da Gama o apelido por "Boi". Trabalhava tão duro nas partidas, sem se queixar de nada, que mais parecia o animal ferroado nos antigos engenhos de açúcar.
ESTOURÃO - O jeito desajeitado, bastante "desclassificado" pelos torcedores rivais, devido aos muitos estouros de bola, era a sua "marca registrada". Inclusive, fez um presidente vascaíno dizer ao treinador Flávio Costa que não iria ao estádio, caso ele escalasse "aquele zagueiro durão que só faz despachar a bola pra frente". Ao que Flávio respondeu-lhe: "Então, prepara-se para ficar sem muito tempo sem ir ao Maracanã".
A "Revista do Esporte" que circulou com data de 30 de julho de 1960, com o Nº 73, considerou Bellini "o mais famoso capitão que já passou pela Seleção Brasileira". Verdade! Os seus sucessores campeões do mundo – Mauro Ramos de Oliveira, Carlos Alberto Torres, Carlos Caetano Bledorn Verri (Dunga) e Marcos Evangelista de Morais (Cafu) – não atingiram a sua mística.
SORTE - Bellini caiu como uma luva na mão de Flávio Costa. Tornou-se o dono da sua posição e não demorou a ser convocado – pelo treinador Jorge Vieira – para a Seleção Carioca que enfrentaria os paulistas. Em 1957, Flávio Costa reapareceu em sua vida e o convocou para a Seleção Brasileira, como reserva de Edson (do América-RJ), para as Eliminatórias da Copa do Mundo-1958. Mas sentou-se no banco dos reservas só por dois jogos. Ganhou mais uma parada e foi campeão mundial na Suécia, como capitão do escrete nacional.
Além de ter barrado Édson, antes disso, durante 1955, Bellini já havia feito o treinador vascaíno Martim Francisco tirar a braçadeira de capitão do veterano Augusto da Costa e a entrega-la.
Mais: às vésperas do Mundial-1958, o treinador Vicente Feola ainda não tinha um capitão. Então, Nílton Santos o indicou. Bellini peitava adversários e discutia com os árbitros, sempre que visse seu time prejudicado.
BATISMO - Uma das histórias mais marcantes sobre Bellini rolou fora de campo. Envolveu o esquentado garoto Almir, que o Vasco fora buscar, no Sport Recife, ainda juvenil. Se ele não o segurasse, o garoto (fã do conterrâneo Ademir Menezes, pelo rádio), seria expulso em todos os jogos.
Bellini havia alugado um apartamento, em Copacabana, e os companheiros Miguel, Écio e Delém costumavam a pintar no pedaço. De repente, Almir foi mais um. Capitão também no “ap”, ele não permitia algazarras à noite, ninguém em pé, após as 22 horas, pois teriam que treinar a partir das oito da matina, no dia seguinte.
Entre os amigos dos jogadores vascaínos estava um frei torcedor, que vivia batendo papo com a rapaziada. Um dia, ele descobriu que Almir era pagão e chamou Bellini para armar o batismo, o que se deu na igreja de São Paulo Apóstolo, em Copacabana.
Tempos depois, Almir já era atleta do Corinthians. O time do Vasco estava concentrado, em São Paulo, para um jogo pelo Torneio Rio-São Paulo, quando o telefone do hotel tocou. Era Almir pedindo-lhe para arrumar um terno, correr para a igreja e ser o seu padrinho de casamento.
FAMILIA - Casado, com Giselda, e pai de Carla e de Hideraldo Júnior, depois de pendurar as chuteiras, Bellini dizia que o Vasco fora tudo para ele. Sempre sonhava com Antônio Calçada (futuro presidente) chamando-o para jogar.
Com relação à estátua à frente do Maracanã – inaugurada em 13 de novembro de 1960 –, muito dizem não ser a figura de Bellini, mas ele tinha uma versão diferente, conforme contou ao Nº 13, da Revista do Vasco, de outubro de 1986.
Seguinte: o então presidente da CBD, João Havelange, o levou ao Catete, para ver duas estátuas – uma com a taça à altura do peito e a outra a erguendo como ele fizera, na Suécia.
O JH perguntou-lhe qual delas preferia e a respostas foi a de que gostara mais da erguendo o troféu. "O artista (Matheus Fernandes, professor de escultura do Museu Nacional de Belas-Artes), também gostava mais daquela e trabalhava com uma fotografia minha à suas frente", contou à mesma publicação citada acima.
COMEÇO DE HISTÓRIA - No dia 7 de junho de 1930, o time do Vasco estava concentrado para enfrentar o Botafogo, 9º rodada do 1º turno do Campeonato Carioca. Em Itapira-SP, o casal Hermínio Bellini e Carolina Levatti recebia a visita da “cegonha”, trazendo o garotão Hideraldo Luís Bellini. Um ano depois, o Vasco vencia o Bangu, por 1 x 0, pela temporada oficial carioca. Na casa dos Bellini, apagava-se a primeira velinha de um dos nove filhos dos moradores.
O garoto cresceu e, aos 13 anos, assim como muitos outros de sua idade, deslumbrava-se com os espelhos, máquinas, pentes, aventais brancos e demais implementos da barbearia de seu Pedro Manfredini. Era 1943 e o Vasco rumava para formar o quase imbatível “Expresso da Vitória”, a equipe montada pelo treinador uruguaio Ondino Viera, que fora um dos mais fortes do planeta, entre 1944 e 1952.
CABELEREIRO - Antes de bater a sua bolinha no time da Sociedade Esportiva Sanjoanense (escudo ao lado, à esquerda) o adolescente Hideraldo circulava pelas cadeiras giratórias do salão de Seu Manfredini, olhando para os vidros coloridos que ocupavam uma parede. Que inveja seus os amigos tinham dele! Principalmente, das gorjetas.
O tempo passou e o garoto Hideraldo trocou as tesouras pela bola. E de nome. Passou a ser Bellini. Veio, então, um dia muito importante em sua vida. Ele estava nervoso, as pernas tremiam, mesmo conhecia os segredos do seu ofício, pois treinava, há quatro meses, para dar conta do recado. Sabia do perigo que a sua carreira sofreria, se fracassasse.
Bellini encarou firme e partiu, decisivo, para encarar a fera que o esperava. Concentrou-se no que iria fazer, e, nervoso, suava muito.
Depois de 60 minutos de atuação, abriu um sorriso. Aquela batalha estava ganha. Levou tapinhas nas costas e agrado no bolso. Não dormiu, de tanta felicidade.
O que você acabou de ler não rolou no gramado de Rasunda, na Suécia, onde Bellini ergueu a Taça Jules Rimet, como campeão do mundo. Mas quando ele cortou o cabelo do seu primeiro cliente.
FAIXA NO PEITO - Em 1952, o Vasco da Gama estava tirando dos trilhos a sua locomotiva frenética, o "Expresso da Vitória".
Ainda deu, no entanto, para ser campeão carioca, com um time envelhecido, basicamente, formando com: Barbosa, Augusto e Haroldo: Ely, Danilo e Jorge; Sabará, Alfredo, Ademir Menezes, Ipojucan e Chico.
O ainda reserva Bellini entrou em três partidas – 17.08 – Vasco 5 x 2 Madureira: 23.08 – Vasco 2 x 1 Canto do Rio; 31.08 – Vasco 5 x 2 Bonsucesso.
A partir de 1953, ninguém tascava mais na posição de Bellini. Ele era, ainda, o líder da rapaziada, cargo que só passou adiante em 1962, quando foi para o São Paulo, após 430 usos das jaqueta cruzmaltina.
Foram 10 anos de Bellini na Colina, onde ele colecionou os títulos de campeão dos torneios Quadrangular do Rio de Janeiro; Octogonal do Chile e Rivadávia Corrêa Meyer, em 1953; dos Campeonatos Carioca de 1952/1956/1958; do Torneio Rio-São Paulo de 1958; dos Torneios de Paris e de Santiago do Chile, e do Troféu Teresa Herrera, em 1957.
Pelos esquemas táticos de sua época vascaína, Bellini era obrigado a ser uma espécie de “cão pastor alemão”. Não podia atacar e nem cair para as laterais. Tinha que marcar o centroavante, geralmente, um sujeito alto e forte.
Decidido, Bellini não tinha a vergonha de bater de bico na bola. Atuava com tanta disposição que chegou a ter o osso malar afundado e um menisco rompido.
ANTIGAMENTE, zagueiro ficava lá atrás e só tomava conta de sua área. Dificilmente, fazia gol. Bellini, porém, teve dia de comparecer ao barbante. No 1º de novembro de 1961, uma quarta-feira, saiu do
"time do gol zero”.
A "Turma da Colina" jogava, amistosamente, no Estádio Centenário, em Montevidéu, contra o Nacional, e perdia, por 0 x 2. De repente, a bola sobrou para Bellini, que se mandou ao ataque, como não era comum.
Próximo da área uruguaia, mandou uma pancada e diminuindo o marcador. Entusiasmado com o lance inusitado, a sua turma foi à frente e o meia Viladônega empatou: 2 x 2.
Além de Vasco e São Paulo (foto), Bellini defendeu, ainda, o Atlético-PR. Mas foi quando ainda era um cruzmaltino que fez as suas três maiores partidas, como contou à “Revista do Esporte”: Brasil 1 x 0 Peru, que valeu a classificação à Copa do Mundo-1958; Brasil 2 x 0 União Soviética e Brasil 5 x 2 França, estas duas da disputa na Suécia.
Na entrevista, Bellini lembrou da fama que cercava a seleção soviética (Moscou controlava uma união várias repúblicas), apontada como provável ganhadora da Taça Jules Rimet, criando um clima de muita expectativa pela partida e até influenciando jogadores mais experientes. "Atuar ao lado de Orlando (Peçanha de Carvalho, companheiro na zaga do Vasco), muito facilitou o meu trabalho, mas nessa partida estive bem, quer nas marcações, coberturas e antecipações”, considerou.
Sobre seu terceiro grande jogo, o eterno capitão da “Turma da Colina” relatou à mesma publicação: "A defesa da Seleção Brasileira passou por severo teste e foi aprovada. A França apresentou, naquela ano, uma linha de ataque, realmente, endiabrada. Conseguimos (mesmo tendo sofrido dois tentos), praticamente, anular todo o perigo que eles representaram para o nosso arco. Fui feliz, pois Fontaine (Just, o artilheiro do Mundial-58, com 13 gols, ainda não superados e que atuou bem naquele dia) não pode realizar tudo aquilo que vinha fazendo e, em grande parte, por minha causa”. Grande Bellini!