Vasco

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sábado, 9 de janeiro de 2021

O VENENO DO ESCORPIÃO - NÉLSON, O GRANDE CONTADOR DE SACANAGENS

 Se ainda habitasse este planeta, Nélson Rodrigues seria, hoje, um pernambucano centenário – nasceu em 23 de agosto de 1912, em Recife. Estaria comemorando um século de convivências com rótulos de tarado, reacionário infiel e volúvel, só para citar poucos pejorativos,  e colecionando elogios de gênio para mais.

Na verdade, de tudo o que lhe imputaram,  rigorosamente, ele só foi volúvel, pois apaixonava-se a cada piscar de olhos para uma fêmea. Teve várias paixões, mas só um amor de verdade, Elza, a primeria mulher,  embora errasse nas cotas e disse ter tido três, entre tantas puladas de cerca. Lorota!
Um dos maiores teatrólogos brasileiros, Nélson Rodrigues  foi, antes de mais nada, um produto do que meio em que, de repente, se deu conta, quando criança, ao chegar ao Rio de Janeiro. Na sua rua, convivia com tudo o que de ruim a pobreza e a baixaria do nível social dos moradores oferecia. Não foi atoa que, aos 9 anos de idade, quando ele fez uma redação para ser lida em sala de aula, o tema foi um par de chifres que vira um dos maridos das vizinhanças usar. Um escândalo!
 É da sua primeira rua carioca, aliado à sua precoce vida de jornalista policial, iniciada aos 13 anos de idade, que vem o teatro de Nélson Rodrigues, composto por 17 peças, iniciado por “A mulher sem pecado”, em 1941, e encerrado com “A Serpente”, em 1978. Foi uma trajetória de textos sempre na mira da censura, quando não eram logo proibidos, de recusas de produtores, de  atores e de atrizes, e de terríveis  de brigas com pretensos guardiões  da moral e dos bons costumes, os quais ele chegava a desafiar, aos palavrões, retribuindo as vaias, aos finais de espetáculos.
Nélson Rodrigues foi um intelectual que jamais se escondeu sob mantos ideológicos. Acusado de reacionário, dizia-se defensor da liberdade. Por ter horror ao comunismo, defendeu, abertamente, a Revolução de 31 e Março de 1964, só perdendo a fé nos propósitos dos generais-presidentes  quando Garrastazu Médici garantiu-lhe não haver tortura no Brasil, o que ele viu isso escancarado na pele do filho Nelsinho, que ligou-se ao MR-8 e passou sete anos na cadeia.
Quando nada, o apoio de Nélson Rodrigues aos militares serviu para ele salvar muitos intelectuais dos porões da ditadura, como Augusto Boal, Hélio Pelegrino e Zuenir Ventura, entre outros. Só não teve forças para desviar o Nelsinho da luta armada. Chegou a negociar, com o general Médici, um visto de saída do país, para o rapaz, antes de ser preso, mas este, aos 24 anos, preferia ser guerrilheiro urbano.        
 Nélson Rodrigues era um sujeito, financeiramente, desorganizado. Nunca teve independência financeira. Certa vez, vendeu, para o cinema, os direitos de “Todas nudez será castigada” (Darlene Glória fez o papel principal),  por apenas 500 dólares, enquanto o a renda de bilheteria atingiu US$ 7,2 milhões. Até aí, nada demais, em se tratando de coisas de Nélson Rodrigues. Indicado para representar o Brasil no alemão Festival Internacional de Berlim, antes de sair do Brasil, a película foi retirada de cartaz e proibida, pela Polícia Federal. 
Admirado pelos patrões, pelo que produzia e os fazia lucrar muito, com suas crônicas, colunas (“A vida como ele é”, em Última Hora, durou dez anos), folhetins (assinados Suzana Flag), novelas televisivas e  livros, este pernambucano arretado parecia ter nascido para ser a própria polêmica. Chegou a ter uma cabra pastando, em um quadro (A cabra vadia) de de um programa de TV, para entrevistar personagens importantes de vários setores da vida nacional. Pior: classificou, de burro, o videoteipe, recurso mais moderno da então tv brasileira, durante discussões em uma mesa redonda das noites de domingo, por discordar de uma marcação do juiz, em um jogo do  seu Fluminense. Seria capaz de preferir o inglês “centenial” ao correspondente português “centenário”, pois, em um estádio com tal nome (no Uruguai), o Brasil fora eliminado da Copa do Mundo-1930, e para ele, a seleção era a pátria em chuteiras.   

SURPREENDENTE – Nélson Rodrigues teve, sempre, no jornalismo esportivo, um porto seguro. Foi um dos seus grandes ganha-pão, por toda a vida. No entanto, em “O Globo”, certa vez,  encheu o saco das quatro linhas, e decidiu escrever sobre óperas. O editor riu em sua cara. Onde já se viu um repórter esportivo se meter a tanto? Pois ele foi lá e mostrou o seu veneno. Conhecia o terreno. Um pouco antes, quando o pai lhe permitira ser cronista cultural, em seu jornal (Crítica), teve de rebaixá-lo a repórter policial, por escrever verdades sobre o inabalável mito Ruy Barbosa, de quem a “inteligentzia” brasileira não ousava  criticar.
Pela coragem de estampar incestos, adultérios, suicídios, abortos e “etceteras” que a sociedade praticava, mas não assumia, Nélson Rodrigues tornou-se maldito, elemento nocivo ao bem estar comum da família brasileira. Em defesa desta, principalmente de uma de suas principais instituições, o casamento, o governo chegou a passar por cima da constituição, para proibi-lo, o que não era novidade. As vezes, exagerava. Implicância! Tanto que até a igreja o apoiava, mesmo com suas criticas aos “padres de passeatas”, como classificava os sacerdotes de esquerda. O certo, porém, foi que, com ou sem apoio, Nélson teve peça – Álbum de Família – passando quase 20 anos interditada.
Mestre em pregar peças aos velhos, novos e ex-amigos, com a mesma categoria que escandalizava seus leitores e espectadores, Nélson  Rodrigues saiu de cena do jeito que a sua vida pedia: com uma peça lhe pregada pelo destino. No início da manhã de 21 de dezembro de 1980, tornou-se uma pessoa espiritual. Ao final da rodada do futebol daquele domingo, acertou os 13 pontos da Loteria Esportiva, grande sonho dos brasileiros da época Não deu pra ele escrever a coluna sobre o “Sortudo do além”, digamos. Seguramente, seria munição para um texto bem “nelsonrodriguesano”. Evidentemente, com ele no papel principal.  

                                               O TEATRO DE NÉLSON 
A mulher sem pecado (1941); Vestido de noiva (1943); Álbum de família (1946); Anjo Nero e Senora dos Afogados (1947); Dorotéia (1949); Valsa Nº 6 (1951); A falecida (1953); Perdoa-me por me traíres e Viúba, porém honesta (1957); Os sete gatinhos (1958); Boca de Ouro (1959);  Beijo no asfalto(1960); Bonitinha, mas ordinária (1962);  Toda nudez será castigada (1965); Anti-Nélson Rodrigues (1973) e A serpente(1978).
                                                 OBRAS FILMADAS
Somos dois (1950); Meu destino é pecar (1952); Mulheres e Milhões ((1961); Boca de Ouro (1962); Meu nome é Pelé e Bonitinha,  mas ordinária (1963); Asfalto selvagem (1964); A falecida (1965);  O beijo e Engraçadinha depois dos 30 (1966); Toda nudez será castigada (1973); O casamento (1975); A dama da lotação (1978); Os sete gatinhos e O beijo no asfalto (1980); Bonitinha, mas ordinária (remake/1980); Álbum de Família e Engraçadinha (remake/1981); Perdoa-me por me traíres (remake/1983) e Boca de Ouro (remake/1990).
                                               NOVELAS NA TV
A morta sem espelho (1963); Sonho de amor e O desconhecido (1964).
                ROMANCES ESCRITOS COMO SUZANA FLAG
Meu destino é pecar e Escravas do amor (1944); Minha vida (1946);  Núpcias de fogo (1948);  O homem proibido (1951) e A mentira (1953). Também, escreveu A mulher que amou demais, em 1949, sob o pseudônimo de Myrna.    
                                           TRABALHOU PARA:
Crítica; O Globo; Diário da Noite; O Jornal; Última Hora; Correio da Manhã; Jornal dos Sports; Manchete Esportiva; O Cruzeiro; TV Rio e TV Globo.

  

 

 

 

 

Um comentário:

  1. Tricolor incondicional, quando o Fluminense ganhava de 1 x 0 ele dizia que tinha sido de goleada...

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